VIDA NOVA

Mudança de rota: conheça quem trocou de profissão pelo amor à gastronomia

Insatisfação leva mineiros a mudarem de carreira por uma nova vida na cozinha

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“O que eu mais gosto é ver a reação do cliente quando entrego um doce ou um bolo. É uma sensação de satisfação enorme, de estar fazendo algo que realmente amo”, conta Carol Mesquita, chef pâtissier e chocolatier. Há alguns anos, ela era professora de cursos preparatórios para concurso e formada em Direito. Hoje, comanda seu próprio ateliê de confeitaria.

Casos como o de Carol não são mais exceção. Trocar uma carreira estável por um novo caminho na cozinha deixou de ser tabu. Mas o que leva alguém a abandonar segurança e rotina para empreender na gastronomia? Seria apenas paixão - ou um movimento mais profundo, impulsionado por cansaço, propósito e novas possibilidades?

Carol Mesquita trabalhou como professora de cursos para concurso por 20 anos e hoje tem seu próprio atelier de confeitaria

Carol Mesquita trabalhou como professora de cursos para concurso por 20 anos e hoje tem seu próprio atelier de confeitaria

Letícia Mansur Fotografia/Divulgação

Um estudo conduzido pela consultoria Gallup mostra que o Brasil ocupa a quarta posição entre os países da América Latina com mais trabalhadores infelizes ou estressados. De acordo com o levantamento, 25% dos profissionais brasileiros se sentem tristes diariamente. O país fica atrás apenas da Bolívia (32%), El Salvador (26%) e Jamaica (26%). Além disso, 18% dos brasileiros relatam vivenciar raiva todos os dias. Ao todo, foram entrevistados 128 mil profissionais em mais de 160 países. 

A pesquisa também revela que o Brasil ocupa o sétimo lugar na lista dos países mais estressados da região, com 46% dos trabalhadores enfrentando estresse diariamente. A Bolívia lidera essa estatística com 55%, enquanto Paraguai (34%) e Jamaica (35%) apresentam as menores taxas de estresse entre os profissionais. 

O advogado Túlio D’Angelo trabalhou na Funed por três anos. Além de bartender, ele é proprietário do Bar do Palito

O advogado Túlio D’Angelo trabalhou na Funed por três anos. Além de bartender, ele é proprietário do Bar do Palito

Arquivo pessoal

Túlio D’Angelo é exemplo dessa estatística. Advogado e ex-diretor de gestão, planejamento e finanças da Fundação Ezequiel Dias (Funed), ele sentiu os sintomas do burnout antes de encontrar seu lugar atrás do balcão. “Eu levava trabalho para casa, lidava com escassez de insumos e crises na saúde pública. Chegou um momento. A exaustão começou a bater”, relembra.

Em 2018, surgiu o convite para abrir um bar com amigos. Cinco anos depois, nascia o Bar do Palito, situado na Galeria São Vicente, em frente à Praça Raul Soares e ao Edifício JK, na Região Central de BH. “Não foi fácil. Enfrentei dificuldades financeiras e o fim da pandemia, mas a paixão pela hospitalidade me move”, afirma. Hoje, Túlio prepara a inauguração de seu segundo negócio, o restaurante Tom, com uma proposta cosmopolita e contemporânea.

Negócios à parte

Carolina Elias também adiou o sonho de seguir na cozinha. Fez administração e contabilidade, mas a inquietação falou mais alto após quase uma década no mundo corporativo. “Eu sentia que não era aquilo que queria para minha vida. Resolvi retomar o sonho e fui para São Paulo estudar na Le Cordon Bleu. O apoio da minha família foi fundamental.”

À reportagem, ela conta a diferença entre o interesse pela cozinha quando tinha 18 anos e a mudança de profissão após 10 anos em outras áreas. “A maturidade contou muito porque com essa idade a gente tem muita insegurança. Querendo ou não, cursar gastronomia, que não era tão convencional na época, me gerou um pouco de medo.”

Carolina Elias, proprietária do Casa Riuga, é chef, mas durante 10 anos atuou no mundo corporativo
Carolina Elias, proprietária do Casa Riuga, é chef, mas durante 10 anos atuou no mundo corporativo @aliceleitec/Divulgação

Com maturidade e bagagem, Carol vê na formação anterior uma vantagem: ela mesma cuida da parte administrativa da Casa Riuga, seu restaurante na Savassi, Região Centro-Sul da capital. “Lanço notas, faço controle financeiro, fichas técnicas. A formação me ajudou demais.”

Essa integração de saberes é comum entre quem migra de área. Guilherme Righi, por exemplo, deixou a perícia contábil e o direito para abrir a Righi Gastronomia, no Prado, com a mulher Yzabella, formada em moda. Ele cuida das planilhas; ela, do visual, inclusive desenha e produz parte das louças da casa. “A gente come com os olhos. É uma forma criativa de unir os dois. As formas, as cores, e essa questão das texturas que na moda a gente usa muito”, resume.

Com uma vivência de dois anos na Itália, ponto inicial da mudança, o casal trabalhou em restaurantes variados para adquirir experiência, essencial para seguir com o plano de abrir um negócio. A casa une a tradição italiana aos sabores mineiros em menus-degustação e produtos artesanais, incluindo os pães de fermentação natural. 

Crescimento

A chef e coordenadora do curso de gastronomia da Estácio, Larissa Fernandes, observa um crescimento expressivo na área de panificação artesanal, especialmente entre aqueles que buscam um ritmo de trabalho mais equilibrado. “Muitos optam por abrir padarias de fermentação natural com horários controlados e maior valorização do produto.”

E confirma a mudança de perfil entre os discentes. “Antes, a pessoa sonhava em ser chef. Hoje, temos muitos profissionais que vêm de áreas burocráticas e veem na cozinha uma forma de reconexão com o prazer e a criação.”

Ela alerta, porém, que o romantismo deve vir com planejamento e consciência. “Cada vez que você vai mudando de disciplina, você vai gostando mais de uma área do que da outra. Por isso, o primeiro passo é se qualificar, para não errar tanto. Além das disciplinas práticas, ele aprende sobre estrutura de cozinha, gestão, ficha técnica e até layout de restaurante.” 

Por último, destaca a importância de conhecer todos os pontos, tanto positivos quanto negativos. “A cozinha tem muito ponto positivo, mas ela ainda tem a questão da insalubridade. Outra, a pessoa estava acostumada às vezes a ficar sentada o dia inteiro, e ela vai migrar para o oposto, que é o calor, ficar em pé, trabalhar sob pressão, mas também tem a parte da realização.” 

Transição de carreira


Para quem deseja mudar de profissão e ingressar na gastronomia, é importante estudar o mercado, fazer um planejamento financeiro e contar com apoio de especialistas 

Ana Paula Soares Veloso, gerente de relações corporativas e carreiras da SKEMA Brasil, destaca que a transição de carreira exige mais do que vontade. “É preciso refletir com apoio profissional, entender seus valores, estudar o mercado e montar um planejamento financeiro. A mudança não pode ser movida só pela emoção.”

Segundo ela, profissões antes marginalizadas, como a gastronomia, hoje fazem parte do repertório de escolhas legítimas. “Muitos buscam sentido, autonomia e impacto. Cozinhar pode ser uma forma de resgatar afetos, memórias e propósito.”

Felipe Galastro é ex-policial militar e largou a farda para se tornar chef e professor do Instituto INHAC

Felipe Galastro é ex-policial militar e largou a farda para se tornar chef e professor do Instituto INHAC

Arquivo pessoal

Felipe Galastro é a prova de que a gastronomia também pode transformar a vida dos outros. Ex-policial militar, ele largou a farda para estudar cozinha. “Sempre gostei de cozinhar, mas fui pulando de área em área até decidir seguir meu coração.”

Hoje, Felipe é chef professor do Instituto INHAC, projeto social que oferece formação gratuita em gastronomia para pessoas em situação de vulnerabilidade. “Ali, ensino mais do que receitas. Ensino que cozinhar é um ato de cuidar, de servir, de transformar.”

Duas cozinhas

Ele conta que a procura é grande. “Nós conseguimos atender até 40 alunos de uma vez, porque nós temos duas cozinhas. A gente comporta 20 alunos em cada currículo de uma vez. Porque tem instrução, depois eles vão mexer com panela, faca, fritadeira e tudo mais. São duas turmas de manhã e duas turmas à tarde. Então, são 80 alunos, sendo que nós tivemos uma procura maior, só que temos critérios de seleção para essa iniciativa.”

A escola exige estágio em restaurantes parceiros e incentiva o empreendedorismo. “Alguns alunos saem daqui prontos para abrir seus próprios negócios ou trabalhar em casas de alto nível. Outros começam vendendo bolo ou pão de queijo no bairro. O importante é que enxerguem a gastronomia como uma profissão possível e digna.”

A gastronomia, por sua vez, deixou de ser apenas um sonho romântico. É hoje um campo profissional complexo, que exige técnica, estudo e gestão. Mas também oferece algo raro no mundo do trabalho: a chance de unir realização pessoal e impacto coletivo. Como diz Felipe, “a cozinha aceita todos, mas não aceita tudo”. 

Quem chega com paixão e disciplina, encontra nela um lugar possível,e necessário para recomeçar.

5 cuidados para transformar um hobby em profissão:

- Faça um curso técnico ou superior para entender as áreas da cozinha

- Experimente: trabalhe como freelancer ou em estágios antes da transição total

- Planeje financeiramente: monte uma reserva e conheça os custos

- Estude o mercado: entenda nichos, público-alvo e viabilidade

- Busque apoio: converse com profissionais e tenha uma rede de suporte

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