‘Os filmes brasileiros são bons’, diz diretor da Filmes de Plástico
Maurilio Martins foi o convidado do programa ‘EM Minas’, da TV Alterosa, neste sábado (27/12) e falou sobre seu longa ‘O último episódio’, lançado neste ano
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O cineasta Maurilio Martins, fundador da produtora mineira Filmes de Plástico, – ao lado dos também diretores Gabriel Martins e André Novais de Oliveira e do produtor Thiago Macêdo Correia – foi o convidado deste sábado (27/12) do programa de entrevistas “EM Minas”, exibido na TV Alterosa e no canal do Portal UAI no YouTube.
Na conversa, o diretor falou sobre seu longa-metragem “O último episódio”, ambientado no bairro Laguna, em Contagem, onde ele cresceu e ainda vive, e centrado na história de três amigos de escola, adolescentes no ano de 1991, em que a trama é situada.
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Lançado em outubro passado, o longa reafirmou o prestígio da Filmes de Plástico como produtora de filmes autorais e cativantes. Acompanhe a seguir a entrevista.
Vamos falar de “O último episódio”. O filme conta a história de Erik, um adolescente de 13 anos que alimenta um amor platônico por Sheila, mas essa trama tem um desenrolar. Conta mais sobre isso.
Por conta desse amor platônico, ele diz ter em casa o último episódio da série “Caverna do dragão”, mas esse capítulo nunca foi produzido. Para sair da enrascada, ele se junta aos melhores amigos, Cristão e Cassinho, para produzir o episódio.
O filme acompanha também o amadurecimento dessas crianças, indo para a adolescência em 1991. Tudo isso em um Brasil em crise, passando por uma profunda recessão econômica.
Por que ambientar o filme no bairro Laguna, em Contagem?
Nasci, cresci e ainda moro ali. A Filmes de Plástico é de Contagem e todos os três diretores da produtora, Gabriel Martins, André Novais e eu, somos de lá.
Em “O último episódio”, principalmente por tratar-se de memória, no qual as minhas memórias atravessam a história, foi uma escolha natural que se passasse onde cresci, tive os meus primeiros amores, as minhas desilusões e as minhas paixões.
O fator mais brilhante da escolha é a gente conseguir recriar a periferia, esse espaço que modifica com muita constância. Com direção de arte, cenografia e fotografia, conseguimos manter o pouco que existia, recriar, recompor e dar a esse bairro uma cara realmente parecida com o que era em 1991.
Percebo que o filme é bem nostálgico. Ele traz várias coisas que os adultos, possivelmente, vão reconhecer porque viveram naquela época. Não é um filme para criança?
É um filme para todo tipo de público. Meu filho de 5 anos é apaixonado pelo filme, compreendeu a história, entende, gosta.
As pessoas mais velhas, mesmo quem era da geração anterior, se identificam com uma série de coisas. Não tem como olhar para aquilo e não se identificar, vendo objetos e o modo de vida analógico que a gente foi perdendo.
Um ponto alto do filme é a trilha sonora. Foi assinada por Pato Fu, é isso?
Quando o John Ulhoa e o Richard Neves, do Pato Fu, aceitaram fazer a trilha, foi uma felicidade imensa porque são nomes muito icônicos. Além disso, eles se empenharam. As músicas originais eles criaram hoje, mas parecem ser de alguma banda que existia na época.
O John tinha banda nesse período. Ele fez parte de O Último Número e Sexo Explícito. E tem ainda a colaboração da Fernanda Takai em uma das duas músicas que a gente fez versão. Ela canta “Qualquer jeito”, que ficou conhecida na voz da Kátia.
A outra música que a gente fez versão foi “Doce mel”, da Xuxa. A nossa Xuxa, na verdade, é uma dupla que se chama Dani e Lu e, no filme, os meninos recriam a versão deles de “Doce mel”. Essas duas músicas já eram pré-conhecidas e o resto é toda uma criação original, que virou álbum, está nas plataformas digitais e vai virar vinil. A gente está programando um lançamento no início do ano.
A gente tem produções hollywoodianas com investimentos muito grandes. Você acha que é uma competição desleal?
O problema é o gargalo que é a exibição. O Brasil, apesar de ter mais de 210 milhões de habitantes, não tem nem 4 mil salas de cinema. É completamente desproporcional, pensando também que essas salas estão numa zona restrita do país.
Nas salas, você tem que concorrer com esses blockbusters que dominam o espaço. É uma reclamação que já vem de muitos anos, de uma briga maior pelo cinema brasileiro ocupando esses espaços, porque os filmes são bons. As pessoas, quando vão e assistem, os retornos são incríveis.
Em 2023, o filme “Marte Um”, da produtora Filmes de Plástico, foi escolhido pelo Brasil para representá-lo no Oscar e foi uma conquista ter uma produção mineira apontada para essa premiação. Como foi isso para você?
“Marte Um” foi um acontecimento para a produtora e para o estado. Foi a primeira vez que um filme mineiro representou o Brasil no Oscar. Isso causou um rebuliço na imprensa e no público. Hoje, a gente consegue ser reconhecido em outros lugares que não a bolha cinéfila.
A conquista do “Marte Um” teve um impacto muito grande nisso. Obviamente, o filme é incrível por si só, mas a indicação fez a produtora chegar a pessoas que nunca haviam ouvido falar dela. A coisa escalonou a ponto de virar verbete em livros de História.
Quando acontece isso, o filme sai do nicho do cinema e vai para o imaginário popular. A vinheta, por exemplo, do CineSesc São Paulo, tem a figura do Deivinho olhando. Aquela imagem ficou muito icônica e isso é muito bom. O “Marte Um” pega a produtora e leva todos nós, com todos os filmes, para um patamar de reconhecimento.
Teve um espectador que disse que se emocionou muito mais com “O último episódio” do que com “Marte um”. Isso é surpresa para você?
Tem uma coisa em “O último episódio” que lida com a nostalgia e ela atinge a gente em pontos um pouco mais profundos e imediatos. A pessoa nem precisa refletir muito. Esse choro provocado pelo filme, essa emoção, vem porque vira espelho. Você começa a se ver nos personagens, nas roupas, nos gestos, nos objetos.
Como funciona o processo de criação para que você traga, para o filme, a ambientação que remete à década de 1990?
No caso de “O último episódio”, ele passa por questões muito particulares, uma que já falei, da recriação do bairro. Para recriar um bairro que está sendo apagado constantemente, você tem que fazer uma série de truques, até composição de efeito em 3D, para que algumas coisas se parecessem de fato com o que era na época.
Mas tem um trabalho de direção de arte muito primoroso, de entender como transformar aquilo a partir das minhas referências, das fotos e dos vídeos que apresentei. Porque não é só recriar uma época, é recriar uma época em um bairro da periferia.
É recriar 1991 no bairro Laguna. Essas fotos todas que disponibilizei para as pesquisas foram seguidas muito fielmente. Depois, o processo vai se estendendo, porque além da direção de arte tem figurino, a caracterização de cabelo e maquiagem. O complemento, que se junta com a fotografia, produz esse resultado que é um dos mais elogiados do filme. A sensação que as pessoas têm é que elas estão assistindo a um filme da época.
Você nos confidenciou antes de entrarmos no ar que tem, inclusive, um VHS seu que fez parte de uma das cenas do filme.
Quando tinha 12 anos, além de ser muito pobre, na região também ninguém tinha câmera. Eu não tinha nenhuma imagem em vídeo da minha infância e adolescência. Esse VHS foi feito a partir de um jogo de futebol no qual os organizadores contrataram câmeras.
Sabia da existência dessa fita e, um dia, quando tinha uns 17 ou 18 anos, a vi na casa do proprietário porque estava sendo jogada fora. Peguei a fita e guardei para mim, por anos. Quando chegou a época do filme, a gente usou. Tem um fato que é muito maravilhoso e fico até emocionado de contar. Estou em uma das cenas da fita abraçando o meu melhor amigo, Leonardo de Jesus, que está no filme. Ele atua como o Zena, pai do Cassinho, um dos atores do trio principal.
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É muito incrível como as coisas vão se misturando. É uma fita sobre a minha infância, em que estou com meu melhor amigo. Ao mesmo tempo, sou diretor de um filme em que ele está atuando e esse filme fala da nossa infância. Não a nossa infância autobiográfica, mas a nossa infância enquanto pessoas de 13 anos que moravam naquele lugar, naquele momento.