Museu Mineiro exibe exposição sobre a força feminina no samba de BH
Mostra 'Pretagonistas' destaca mulheres negras que desempenham papel fundamental no universo dos sambistas da capital mineira
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Siga noAs mulheres sempre fizeram parte do samba, mas, por muito tempo, foram tratadas como coadjuvantes, vistas apenas como musas e não protagonistas. Apesar dos obstáculos, o talento feminino é fundamental para manter viva essa tradição da cultura brasileira.
A exposição “Pretagonistas: trajetórias mulheristas no samba”, em cartaz no Museu Mineiro até 20 de julho, propõe um novo olhar sobre a história do samba em Belo Horizonte, a partir das vivências e saberes de mulheres negras. A mostra é resultado de um projeto do curso de museologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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A pesquisa para a mostra coincidiu com os primeiros debates sobre o reconhecimento do samba como patrimônio imaterial de Belo Horizonte, o que ocorreu em dezembro de 2024. Os alunos se depararam com a escassez de registros sobre a participação feminina na cena do gênero musical na cidade.
“Mais do que gênero musical, o samba é expressão cultural”, afirma a professora Verona Segantini, curadora da mostra.
A origem do samba em Minas remonta ao fim do século 19, quando trabalhadores negros chegaram ao antigo Arraial do Curral Del Rey para trabalhar na construção da nova capital do estado, inaugurada em 1897.
“Entendemos que era fundamental não falar apenas do samba, mas também das histórias, memórias e vivências dessas mulheres”, destaca Verona Segantini.
As mulheres em destaque na exposição foram escolhidas por meio da curadoria colaborativa que reuniu a professora Verona, alunos de museologia e as consultoras Magna Oliveira, Camila Costa e Kely de Oliveira.
As homenageadas têm perfis diversos: cantoras, compositoras, sambadeiras, pesquisadoras, educadoras e líderes comunitárias. São elas: Dona Eliza, Margô Barroso, Sandra Veneno, Mãe Belinha, Cida Reis, Ekedji Alessandra Gomes, Ekedji Kely de Oliveira e Rosane Pires.
“Trazer mulheres tão diversas é também afirmar que não existe uma única história do samba, mas muitas histórias, com diferentes perspectivas. O que elas nos revelam, como sambadeiras, cantoras, letristas e pesquisadoras, é a diversidade do samba e a presença fundamental das mulheres na construção deste patrimônio brasileiro”, destaca Verona Segantini.
A estudante Lorena Gonçalves diz que a pesquisa se pautou pelo samba feito em Minas Gerais. “A primeira coisa que a gente fez foi levantar artigos e pesquisas sobre o samba. Fomos entendendo o que era o samba mineiro, o que se destacava. Seguimos muito a linha de olhar também para aquilo que estava ausente. Identificamos o protagonismo das mulheres como uma dessas lacunas”, conta.
A exposição reúne fotografias feitas para o projeto, além de biografias das homenageadas. Uma das salas exibe pequeno documentário com trechos de entrevistas concedidas por elas. Estão expostos objetos pessoais e itens selecionados pelas próprias mulheres, como instrumentos, roupas, livros, revistas, fotografias e referências a entidades do candomblé e da umbanda, fundamentais para o samba de terreiro.
A construção da mostra se deu a partir de diálogos com cada homenageada. Entre elas está Margô Barroso, natural de Rubim, no Vale do Jequitinhonha. Ainda jovem, ela se mudou para Belo Horizonte, onde trabalhou como empregada doméstica. Com esforço, conciliou a rotina do trabalho com a paixão pela música, especialmente pelas canções de Clara Nunes.
Margô gravou dois CDs, que vendia à noite nas ruas da capital, e recentemente passou a integrar a Velha Guarda do Samba de BH. “Ela fala que as histórias que Clara Nunes canta são as próprias histórias de vida dela”, comenta a curadora, citando “Feira de Mangaio”, canção de Sivuca e Glorinha Gadelha.
Outra homenageada é a cineasta Cida Reis, fundadora da produtora Trem do Balaio, criada em 2013 com o objetivo de valorizar a cultura e a diversidade brasileiras, com foco nas influências da diáspora africana.
Entre seus trabalhos estão os longas “Salve Maria – Memória da religiosidade afro-brasileira em Belo Horizonte” e “Um olhar sobre os quilombos no Brasil”.
Cida, que lançou o EP “Iriri”, criou o grupo de samba Docilaré com as sambistas Elzelina Dóris, Vivi Amaral e Raquel Seneia.
Visibilidade
Para Verona Segantini, apesar de avanços no reconhecimento de figuras femininas nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, elas carecem de visibilidade no cenário mineiro.
“Aqui em Minas, percebemos que ainda temos muito trabalho pela frente quando se trata do reconhecimento da participação das mulheres no samba”, afirma.
“Durante a pesquisa, fomos entendendo que o samba é mais do que um estilo musical. É uma expressão cultural que envolve muitos saberes, muitas referências, construída coletivamente a partir de uma energia muito matriarcal”, finaliza.
“PRETAGONISTAS”
Exposição em cartaz até 20 de julho, no Museu Mineiro (Avenida João Pinheiro, 342, Lourdes). Visitação de terça a sexta-feira, das 12h às 19h; sábado, domingo e feriado, das 11h às 17h. Entrada franca.