ARTES VISUAIS

Marco Paulo Rolla faz arguta crítica ao capitalismo em exposição

Mostra ‘Contrapontos e contratempos’, em cartaz em Belo Horizonte, nos conduz a um exercício de ver com desconfiança imagens que traduzem o ideário capitalista

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Como as pinturas de um artista podem nos ajudar a desconfiar das imagens produzidas pela inteligência artificial? De que maneira a pesquisa artística revela, de forma crítica, as camadas dos processos de produção de uma imagem?

Como percebemos as dimensões de propaganda, consumo e perversidade presentes no excesso de imagens que nos são disparadas cotidianamente, acelerando nossas interpretações do mundo?


As pinturas do artista Marco Paulo Rolla, na exposição “Contrapontos e contratempos”, em cartaz no Centro Cultural Unimed-BH Minas, são fruto de pesquisas acumuladas ao longo de décadas. Já no século passado, o artista iniciou uma vasta coleção de imagens de revistas – recortes de reportagens sobre política, propagandas diversas e cenas da vida comum.


A partir dessas imagens, ele esgarça as contradições sociais, usando-as como ponto de partida para composições que funcionam como verdadeiros desmontes visuais. Por meio de colagens e re-colagens, Marco Paulo reconfigura imagens, agora recriadas em pintura, expondo suas camadas ideológicas.


Sua obra abusa, generosamente, de um exagero brechtiano, fazendo do gesto o seu ato político. O teatro, como recurso metodológico, escancara a crítica ao capitalismo e à branquitude, revelando a constante tensão entre privilégio e poder de consumo – sem perder de vista as questões de classe, que atravessam também o poder político.


Cenas rotineiras de CEOs, chefes em seus escritórios – todos bem vestidos com seus ternos e tailleurs – ilustram um universo de decisões que interferem diretamente na vida coletiva: afetam o meio ambiente, as relações sociais, criam endividamentos.


Sistema das artes

E, ainda assim, a vida segue aparentemente normal. Rolla é afiado também em sua crítica ao sistema das artes, que ele associa ao mundo corporativo: curadores, jurados e membros de comissões que distribuem prêmios em salões de arte, políticos, presidentes, todos aparecem em suas telas como figuras retorcidas, ambiciosas, debochadas – zombando dos ausentes.


Na cena do restaurante, tudo está supostamente disponível no mercado – e a crédito. Um jantar de negócios? Um encontro entre amigos? Uma reunião de famílias de executivos? Toda a vida está posta sobre a mesa: o trabalho e suas relações de poder.


As imagens vendem um ideal de dedicação exclusiva ao trabalho como modelo correto a ser seguido – sem pausas, sem férias, sem lazer. Tudo é trabalho. Tudo é crédito. Tudo é força de trabalho, à venda, sem prazo. A cena, originalmente uma propaganda, oferece um estilo de vida que engana – uma falsa ideia de meritocracia para as pessoas que vivem sob o modelo 6x1, das quais o capitalismo rouba o direito ao descanso.


A pesquisa do artista valoriza o jogo do instante – o momento, o ato, o possível desaparecimento – o flash da memória. Trata do que não ficou para ser lembrado, do fluxo, do agora, do contexto, da conjuntura, da situação. Cria quadros que parecem evocar algo que acabou de acontecer.


Marco Paulo Rolla encena um teatro de memórias que contorce nossa noção de valor das notícias de jornal – especialmente em tempos de fake news, em que quase ninguém lê além das manchetes ou dos clikbaits. Com isso, o artista nos pergunta: é possível reler os jornais, mesmo depois da velocidade dos acontecimentos?


A partir de notícias, reportagens, filmes, fotografias, designs antigos e contemporâneos – sobrepostos aos seus próprios desenhos – sua pesquisa problematiza o presente. Pela lente das selfies e com certo deboche, o artista questiona a banalização da violência contra as mulheres, a naturalização da vida baseada num modelo idealizado de família branca com infância feliz, e o modo épico com que as armas são retratadas como símbolos da masculinidade.


Com uma pincelada ácida, o artista insiste na crítica aos modos de vida isolados da contemporaneidade: todos conectados em redes, mas todos sozinhos. Isolados e consumidores, cada qual com seu amor próprio mantido por uma rotina abastecida por cosméticos, medicamentos, entregas e plataformas de games e séries.


O isolamento, fortalecido por bens de consumo, revela-se um projeto do capitalismo: quanto mais as pessoas evitam o contato social, a vida comunitária, os laços de afeto e amor, mais trabalham – alimentando a engrenagem.


Em sua pesquisa, o artista nos conduz a um letramento crítico das imagens – um exercício de ver com desconfiança, sobretudo diante das produções sedutoras e automatizadas da inteligência artificial.


Lançamento do catálogo

O catálogo da mostra “Contrapontos e contratempos” será lançado nesta terça-feira (17/6), a partir das 19h, na galeria em que a exposição está em cartaz, no Centro Cultural Unimed-BH Minas. Exemplares serão distribuídos gratuitamente.



“CONTRAPONTOS E CONTRATEMPOS”
Individual de Marco Paulo Rolla, em cartaz até 22/6, na galeria de arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes - 31.3516-1360). Visitação de terça a sábado, das 10h às 20h, domingos e feriados, das 11h às 19h. Entrada gratuita.

*Doutora em História da Arte pela Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne e professora da Escola de Belas Artes da UFMG.

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