
Entre a curiosidade e o brain rot: ser pai na infância conectada
Criar filhos em um mundo digital exige atenção, diálogo e limites para que a infância mantenha seu ritmo e encanto natural
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Os primeiros anos de uma criança são um campo de possibilidades em aberto, onde tudo é território para descobertas, inclusive as brincadeiras. Mas, cada vez mais, a infância também é atravessada por telas brilhantes e fluxos ininterruptos de informação que desafiam nossa capacidade de proteger aquilo que é mais precioso: o tempo de crescer devagar.
A ciência já acende alertas para os riscos desse excesso. Estudos da American Academy of Pediatrics mostram que crianças expostas intensamente à super estimulação digital têm mais dificuldade de se concentrar, de regular emoções e até de dormir bem. É isso mesmo: essa overdose de conteúdos rápidos pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo e afetivo dos pequenos.
E esses desafios se fazem presentes no meu cotidiano como pai de um menino de 7 anos. Até os 2 anos, meu filho não teve contato com nenhuma tela, uma restrição que seguimos com rigor. Dos 3 aos 6, ele começou a assistir desenhos e filmes pela televisão, mas sempre com supervisão de um adulto em sessões de tempo limitado.
Quanto ao celular, mantemos firme o combinado de que ele só poderá ter seu próprio aparelho aos 16 anos. Sabemos que a pressão social é enorme, mas seguimos firmes, relembrando o acordo de tempos em tempos.
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Quando a curiosidade encontra o algoritmo
Com a alfabetização, meu filho ganhou uma autonomia digital para a qual, como pais, não estávamos completamente preparados. Ele passou a explorar a pesquisa do YouTube na TV por conta própria. O que começava como uma resposta interessante logo se transformava numa aventura por vídeos aleatórios, fazendo com que o nosso controle sobre o conteúdo consumido fosse atropelado pelo ímpeto da curiosidade.
Foi nesse contexto que o chamei para conversar sobre o conceito de brain rot, que significa o apodrecimento do cérebro de quem assiste a vídeos de baixa qualidade na internet. Fiquei orgulhoso ao ver que ele ouviu atentamente e entendeu o recado.
Um dia, ele chegou animado em casa, perguntando se eu já conhecia os personagens Tralalero Tralala e Ballerina Cappuccina. Reconheci que não, e ele me pediu para pesquisarmos as imagens. O que vimos foi um desfile de criaturas improváveis, como um tubarão gigante vestindo sneakers azuis ou uma bailarina com cabeça de xícara de café.
Confesso que rimos juntos da estranheza. A conversa terminou ali.
O riso que vira alerta
Semanas depois, meu filho me chamou novamente, dessa vez assustado: “Papai, descobri que aqueles memes se chamam Italian Brain Rot!”. Fui tomado pela surpresa. Os personagens circulavam por diversos vídeos na internet usando o rótulo de apodrecimento mental como algo supostamente divertido.
Resolvi investigar mais. Eram personagens nonsense criados com inteligência artificial, numa estética surrealista e caótica. Uma produção meio anárquica, que dialoga com o espírito da nova geração gamer, acostumada a misturar elementos em Minecraft e Fortnite. De alguma forma, expressam uma potência criativa, popular e irreverente. O que, obviamente, captura o interesse da garotada.
Há algo criativo ali, sim. Mas também um risco. São vídeos curtos, coloridos e com sons inusitados, daqueles que prendem a atenção das crianças em loops sem fim. E acabam desgastando sua mente sem que percebam, em busca constante por gratificação imediata.
O resultado é uma infância que perde espaço para a ansiedade e a impaciência, com menos curiosidade para explorar o que realmente importa.
O antídoto está fora da tela
Ser pai em uma era de tantos estímulos tecnológicos não é simples. O tempo todo me percebo em uma linha tênue entre uma paternidade consciente e o receio de parecer meio careta. E assim sigo caminhando, com diálogo, atenção e presença, tentando acertar mais do que errar neste laboratório da vida.
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Felizmente, é nas pequenas experiências longe das telas que redescubro com meu filho o que realmente importa. Nosso vínculo se fortalece em momentos de leitura compartilhada, no cuidado dos peixinhos do aquário, nos mergulhos na piscina gelada e nas batalhas de rimas que estimulam nossa criatividade e cumplicidade.
Essas vivências alimentam nossa mente e o sistema de recompensas de um jeito único, nos lembrando que o contato com o mundo real é insubstituível para gerar conexão, memórias afetivas e aprendizado duradouro.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.