O prazer de ficar e o risco de não sair
Recolher-se é bom, mas partilhar também tem muitas vantagens
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SIGA NOOutro dia, encontrei uma amiga que me relatou que, com o amadurecimento, cada vez mais passou a sentir o desejo de ficar em casa. Foram convites para festas, viagens, casamentos e festivais, todos sumariamente recusados pelo simples prazer de estar confortável e abrigada em seu lar, na companhia dos seus livros, discos - família - e nada mais, como na música. Ela não me pareceu triste ou deprimida, o que poderia levá-la à reclusão, ao contrário, me disse sorrindo que o marido tentava convencê-la sair e ela se esquivava sorrateiramente, pois seu maior prazer na atualidade era ler, assistir séries na televisão e estar com a família.
Talvez ela esteja vivendo o prazer de estar “fechada para balanço”, reordenando as coisas, silenciando o mundo exterior em atendimento ao seu mundo interior. Se for assim, certamente essa é uma forma muito madura de autodeterminação e autocuidado. O filósofo Jean-Jacques Rousseau, no seu livro Devaneios de um caminhante solitário, diz que a solidão é um estado natural benéfico, para ele, o único momento em que somos apenas “eu e meu próprio mestre”, sem nada para me distrair de mim. Para o autor, quando nos afastamos da agitação social, retornamos a nós mesmos e reencontramos nossa autenticidade perdida, o que ele chama de amour de soi (amor de si), que é quando aprendemos a nutrir um amor instintivo e saudável por nós mesmos.
O prazer de estar só é inegável, contudo, a vida humana não se esgota em sua esfera privada, e o próprio Rousseau reconhece o ser humano é um ser social, o que mostra que, embora a solidão possa ser terapêutica e reveladora, temos uma dimensão comunitária que não deve ser esquecida. Sabemos muito sobre quem somos, gostamos ou fazemos também por meio de nossas interações sociais, e renunciar a elas definitivamente parece conduzir à anulação de uma parte essencial de nossa existência. Como sugere o próprio Rousseau, o indivíduo se renova ao voltar-se para dentro, mas se insere quando olha para fora, e precisamos dos dois, principalmente com o amadurecimento.
Inúmeros estudos científicos comprovam que as relações sociais são um importante fator no envelhecimento saudável. Por exemplo, o Estudo Longituginal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), conduzido pela Fiocruz, contou com mais de nove mil participantes acima dos 50 anos e revelou que idosos que tinham interações sociais mais amplas apresentavam menor prevalência de sintomas depressivos e melhor percepção sobre sua saúde global. Um outro estudo, esse mais recente, de 2024, também oriundo do ELSI-Brasil, analisou dados de mais de oito mil brasileiros com 50 anos ou mais e constatou que quanto maior a rede ativa do idoso, menor era o risco de fragilidade física e cognitiva.
Uma outra pesquisa, essa conduzida desde o ano de 1938 pela Universidade de Harvard, acompanhou indivíduos ao longo da vida. Conhecida como Harvard Study of Adult Development, o estudo concluiu que as relações interpessoais são o fator isolado mais importante para a saúde e a longevidade, superando até mesmo hábitos alimentares ou condições socioeconômicas. Os dados demonstraram que pessoas mais conectadas socialmente foram mais felizes, viveram mais e apresentaram menor declínio cognitivo. Da mesma forma, a ONU aponta que a solidão e o isolamento social estão entre os principais fatores de risco para mortalidade entre idosos, comparáveis ao tabagismo e à obesidade.
Portanto, como vimos, recolher-se é bom, mas partilhar também tem muitas vantagens. Há uma beleza serena naqueles que voluntariamente se recolhem do barulho da vida e se abrigam na quietude do lar, mas há também o risco de que essa quietude se torne um desligamento do mundo. E se isso acontece, aquilo que parecia uma escolha, vai se tornando uma imposição, pois, em razão do tanto de vezes que recusamos, passamos a não mais ser convidados...
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
