Juraciara Vieira Cardoso
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da UFMG, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
COLUNA VITALidade

A violência doméstica contra idosos no Brasil

Apesar do Estatuto do Idoso, dados mostram que milhões de brasileiros com mais de 60 anos sofrem abusos silenciosos dentro da própria casa

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Vocês já se perguntaram quantos idosos, nesse exato momento, estão calados, sofrendo algum tipo de violência dentro de casa? Somos um povo que não gosta de se ver envelhecendo no espelho e, falar de velhice, ainda mais de uma velhice violentada, pode soar como ofensa para os mais sensíveis. Estamos tão imersos no culto à juventude e na performance, que não aprendemos a lidar com a vulnerabilidade que o tempo necessariamente nos impõe e, diante dessa dificuldade, não reconhecemos, não nomeamos e não protegemos quando ela se manifesta dentro de nossas casas.


Costumamos nos comover – e com toda razão – com os dados sobre violência contra menores ou mulheres, mas há um silêncio ensurdecedor quando o assunto é violência doméstica praticada contra a pessoa idosa. Essa violência, invisível para a maioria de nós, se esconde justamente onde deveria haver proteção e cuidado.

Um estudo conduzido por Fabiana Dias de Andrade, pesquisadora da Faculdade de Medicina da UFMG, analisou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019) e chegou a uma cifra vergonhosa: um em cada 10 brasileiros com 60 anos ou mais relatou ter sofrido algum de tipo de violência no último ano. São agressões físicas, abusos psicológicos, violências patrimoniais e até mesmo violência sexual, tudo isso vivido em silêncio. Um silêncio que não representa ausência de dor, mas expressão do medo e da vulnerabilidade.


A pesquisa revelou que a violência psicológica é a mais prevalente e se traveste de humilhações, insultos, ameaças, desprezo e isolamento. O grande problema é que muitas vezes essa violência confunde-se com as formas de comunicação familiar que, de tão naturalizadas, impedem que o idoso perceba que está sendo maltratado. Em seguida, aparecem os abusos financeiros, com o uso indevido da aposentadoria, o controle do dinheiro e até mesmo chantagens emocionais para obtenção de recursos. A violência física e sexual, embora menos relatadas, não são menos presentes, elas talvez sejam apenas mais silenciadas, pois carregam o peso da culpa, da vergonha e do tabu.


O que a pesquisa mostra é que essa violência não é neutra, ela perpassa por território, cor da pele e até pela condição de saúde. De acordo com os dados, quem mais sofre são as mulheres idosas, notadamente aquelas que vivem sozinhas ou são separadas, seguidas pelos idosos que vivem nas grandes cidades e os idosos negros ou pardos. O que os dados escancaram é que a velhice, que já é um tempo marcado por profundas perdas, torna-se ainda mais árida quando atravessada pela violência e pela desigualdade.


Há uma faceta ainda mais perversa dessa violência, que está na sua invisibilidade social e institucional.

Mesmo com legislações como o Estatuto do Idoso e a Política Nacional do Idoso, faltam políticas públicas efetivas, canais de denúncia acessíveis e redes de apoio bem articuladas. E a violência praticada pelos membros da família é devastadora porque coloca o velho em uma situação dramática, afinal, como denunciar um filho que é também provedor? Como sair de casa, única opção de moradia? Como impor limites quando se depende do outro até para se levantar da cama?


Definitivamente, não há respostas fáceis, mas o diagnóstico feito pela pesquisa aponta para a urgência de falarmos sobre a velhice de forma mais honesta e comprometida. Precisamos escutar os idosos, criar espaços para suas histórias, desejos e sofrimentos, assim como precisamos urgentemente desnaturalizar o silêncio, pois aqui ele não significa paz, mas sim uma face cruel da violência doméstica.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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