Juraciara Vieira Cardoso
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da UFMG, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
VITALidade

Ainda sou eu – só que em outro corpo

Em nós vive o bebê, a criança, o adolescente, o adulto e o ser em processo de envelhecimento

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Na maioria das vezes, encaro o processo de envelhecimento de maneira natural. Entretanto, há alguns momentos em que me deparo com algumas perdas, consideradas menores, mas que, ainda assim, me causam inquietação. Me refiro ao fato de ver a pele ir ganhando rugas e perdendo o viço; de sentir que o corpo, antes cheio de volumes e formas, vai se redesenhando; e mais uma incontável possibilidade de exemplos que vão, pouco a pouco, transformando minha relação com o meu corpo.

A filosofia me diria que essas são questões existenciais menores, se comparadas, por exemplo, com a temporalidade da vida, e isso é, sem dúvida, correto. No entanto, nossa aparência é parte de quem somos e ter que lidar com as mudanças que acontecem nela com o envelhecimento pode não ser uma tarefa simples.

Ainda que tenhamos consciência que, no final, não é nossa aparência que nos define, as perdas cotidianas que o processo de envelhecimento acarreta, nos coloca diante de questões que muitas vezes tentamos evitar.

É um fato a transitoriedade do corpo e que o essencial está além de toda a forma, mas é também um fato que o corpo é invólucro e linguagem. E é por meio dele que nos relacionamos, nos expressamos e nos fazemos presentes no mundo.

Por isso, assistir a essas transformações sem sentir certa desordem íntima é quase inevitável. É uma roupa que não assenta mais como antes ou a energia que já não consegue acompanhar o ritmo de antes, tudo a nos lembrar que algumas despedidas se aproximam, e não há estoicismo que, em certos dias, nos poupe do susto de não nos reconhecermos no espelho.

O grande Rubem Alves escreveu, certa vez, que as coisas mais bonitas da vida são aquelas que possuem um leve gosto de perda. E a própria existência tem esse gosto de perda: o corpo que muda é uma espécie de ensaio, onde vamos aprendendo a exercitar a difícil arte do desapego.

Acredito que são essas pequenas perdas, no final de tudo e das contas, que nos preparam para as perdas mais profundas que o processo de envelhecimento acarreta, antecipando, por exemplo, o luto de papéis, de pessoas e de possibilidades, que o tempo inevitavelmente nos trará.

O processo de envelhecimento é um tornar-se íntimo da ausência e, ainda assim, permanecer inteiro. É aprender a conviver com o vazio de forma serena, sem negarmos a falta, mas também sem nos afogarmos nela. É admitir que o corpo muda - não há o que ser feito - mas que nós permanecemos internamente os mesmos, e que é esse sentido de integridade que nos dá sentido enquanto sujeitos. Ainda que em corpos diferentes, em nós vive o bebê, a criança, o adolescente, o adulto e o ser em processo de envelhecimento – todos coexistindo continuamente.

Reconhecer essa continuidade interna – esse eu que atravessa todas as fases da vida – pode ser o primeiro passo rumo a aceitação das inevitáveis metamorfoses que o tempo impõe às nossas formas. Se não podemos negar que externamente já não somos mais os mesmos de ontem, é igualmente verdadeiro que internamente há um fio que a tudo une.

Não se trata de insistir em ser quem já fomos, mas de aprendermos a integrar tudo o que fomos num corpo que se transforma desde o dia em que nascemos. Acolher essas transformações é parte do caminho do ser humano que compreende que é feito, também, daquilo que já deixou de ser.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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