
Logo na minha vez de envelhecer, o padrão mudou
O significado de envelhecer está em constante construção
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Tem um meme muito bom que se espalhou nas redes sociais, que demonstra como o envelhecimento hoje em dia está diferente daquele que os nossos avós viveram. São celebridades e anônimos brincando de que, exatamente na vez deles de envelhecer, os padrões mudaram drasticamente.
A frase, que inicialmente foi partilhada nas redes sociais com ironia, ganhou contornos de manifesto. Envelhecer, que antes era sinônimo de apaziguamento e recato, começa a ser pensado e vivido, por muitas pessoas que estão em processo de amadurecimento, como uma oportunidade para experimentar novas experiências ou colocar o corpo à prova.
São pessoas que após os 50 anos começaram, por exemplo, uma atividade de corrida ou de dança; ou pessoas que, cansadas da monotonia de suas vidas diárias, resolveram rechear seus dias com aventuras, como saltar de paraquedas ou viajar de bicicleta. São os velhos ativos, digitais, esteticamente bonitos e culturalmente inquietos, que muitas vezes se veem em volta com questionamentos sobre a efemeridade da vida e a necessidade de se apropriarem de fato do tempo que lhes resta. Homens e mulheres que não veem na idade uma limitação, como seus avós viam, mas, sim, um convite para viver autenticamente, ou seja, segundo seu ‘eu’ mais verdadeiro.
O que o meme insinua, ainda que de maneira jocosa, é que o envelhecer, que sempre esteve atrelado ao declínio – da força, da beleza e da utilidade – parece que começa a ser reconstruído sob outras bases. O que parece é que o “novo velho” não nega o tempo, mas o habita com mais serenidade e liberdade. A velhice, que antes era dominada pela pedagogia do recato e da quietude, se tornou mais barulhenta, deslocando o velho do papel de “afetado” pelo tempo para o de alguém que atua, interpreta e molda o tempo. Que não aceita que sua única alternativa é esperar a morte chegar cuidando dos netos dentro de casa.
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Nossos avós envelheceram sob o jugo de uma história única, não havia narrativas alternativas sobre o envelhecimento, o roteiro era previsível e com poucas alterações, aqueles poucos idosos que o subvertiam eram julgados severamente por seus pares. Mas o que assistimos hoje são velhices urbanas e rurais, solitárias e coletivas, hedonistas e contemplativas. Velhices que amam, viajam, estudam, brigam, escrevem, ensinam – e aquelas que se aquietam e observam o silêncio.
Não há mais apenas um modo de envelhecer e essa liberdade para escolher a que mais se parece com quem se é parece ser um ganho significativo em relação aos nossos antepassados, que precisavam se encaixar no roteiro.
Obviamente que o processo ainda é incipiente e é preciso que essa nova mentalidade sobre o envelhecimento, o atrelando à vitalidade e às possibilidades, seja reconhecido e legitimado por nossa cultura. E para isso é fundamental que a velhice seja novamente concebida como uma parte natural e extremamente importante da vida dos seres humanos e não como algo que precisa ser domado. O envelhecimento que ora se insinua não é o da negação das rugas ou da simulação de juventude, mas o da reinvenção da nossa presença. Uma presença que se sabe finita e que, exatamente por isso, experimenta quem é em sua inteireza.
Acredito que a razão de o meme ter alcançado tamanha ressonância nas redes sociais é porque ele insinua, com a ironia própria das grandes verdades, que estamos, enfim, autorizados a outros modos de envelhecer e que todos são igualmente legítimos.
Vale aqui lembrar Simone de Beauvoir, que em seu livro “A velhice”, escreveu que “não se nasce velho, torna-se velho”, o que nos força a concluir que, se envelhecer é algo que está sempre em construção, talvez seja o momento de reescrevermos a história sobre o seu significado.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.