

Em tempos de ofensa, o silêncio
Valorizar o que realmente é digno de valorização, deixando de lado aquilo que não merece nossa atenção
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Não é incomum que algumas situações despertem em nós uma vontade incontrolável de responder à altura. A tentação do revide muitas vezes se apresenta como resposta automática, seja em razão de um ataque injusto, de uma abordagem indevida ou mesmo da necessidade de expor um jogo de poder que se mascara sob decisões aparentemente banais.
Todas as vezes que me percebo tomada por tais impulsos, me pergunto se estou realmente ofendida ou apenas desejosa de provar a outras pessoas que fui alvo de uma ação imerecida. Até que ponto o desejo que tenho de responder nasce da defesa de algo que me é essencial e até que ponto diz respeito apenas ao meu ego ferido? Saber a diferença entre ambos é fundamental para que não desperdicemos tempo e energia com confrontos que, no fim de tudo e das contas, pouco importam.
Sim, não nego que, por vezes, sinto a ânsia de revidar, de satisfazer uma espécie de sede ancestral por justiça que há em mim. No entanto, aprendi que poucas são as ofensas que nos atingem naquilo que verdadeiramente importa. A maioria fere apenas o nosso ego, que, ávido por reconhecimento e aprovação, se incomoda com qualquer ameaça ao seu inestimável valor.
Depois muitas ações irrefletidas, hoje nunca revido antes de me dar pelo menos 24 horas para pensar. Nesse tempo, permito que toda a espécie de sentimento brote em mim: dos mais nobres aos mais mesquinhos. Passada a tempestade, a clareza chega e o que antes era insuportável, começa a perder relevância. Como o tempo tem o dom de mudar completamente nossas percepções sobre os acontecimentos, o primeiro questionamento que me faço após refletir é se a ofensa foi tão intensa quanto havia percebido em um primeiro momento.
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Se concluo que sim, então avalio se a ofensa atingiu algo essencial para mim ou se apenas feriu meu orgulho. Se percebo que se trata apenas do ego, recorro à razão, esfregando-lhe na face a inevitabilidade do tempo e sua absoluta desimportância – do ego - diante da obviedade da finitude. A fragilidade da nossa existência é um convite à sabedoria para não dedicarmos nosso escasso tempo em batalhas que não acrescentam em nada nosso caminho.
Heidegger nos ensina que uma existência autêntica só é possível de ser alcançada quando reconhecemos a transitoriedade da vida e passamos a agir com base naquilo que verdadeiramente nos constitui. Para o filósofo alemão, somos todos seres para a morte; e que só a consciência cotidiana de tal realidade pode nos ensinar a valorizar o que realmente é digno de valorização, deixando de lado aquilo que não merece nossa atenção.
Isso não significa que não haja lutas que não valham a pena ser travadas, pois a ideia não é a de que sejamos passivos, mas sim a de estabelecer um critério mais profundo do que o mero desejo de devolver uma ofensa. Talvez seja preciso que nos perguntemos se aquela batalha fortalece nossos valores ou apenas alimenta um orgulho ferido.
Com a maturidade, muitas vezes somos levados a concluir que grandes batalhas podem ser travadas em absoluto silêncio, pois há algo poderoso na recusa em responder uma ofensa indevida. Quando pensamos assim, ao invés de imaginarmos que o silêncio é uma fraqueza, o percebemos como fruto de uma escolha consciente. Optar pelo silêncio, em certas circunstâncias, é uma forma de reafirmar nossa própria dignidade.
No fim, ficou a sabedoria do pai do antigo conto chinês que, diante de qualquer situação, fosse ela boa ou ruim, dizia que apenas o tempo poderia dizer o verdadeiro impacto que elas teriam em nossas vidas. E, mais do que isso, é ele que nos ensina que há ofensas que simplesmente não merecem resposta.
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