André Spínola
André Spínola
Um dos autores do Supersimples e da lei do MEI. São 20 anos construindo estratégias para empreendedores e de paixão pela inovação, transformação digital e novos modelos de negócio.
TECNOLOGIA E EFICIÊNCIA

Japão para quem já viu muita coisa — e ainda assim se surpreende

Cidade é gentileza operacional: não grita "inovação", ela sussurra eficiência; não te empurra experiências, ela destrava atritos

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Chegar a Tóquio depois de rodar 33 países é como entrar num filme em que o figurino é minimalista, a trilha é precisa e o roteiro se resolve por pequenos gestos.

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A cidade não grita “inovação”, ela sussurra eficiência. Não te empurra experiências, ela destrava atritos. E é justamente essa gentileza operacional, que aparece na esquina, na estação, no balcão, que faz a cabeça de quem empreende.

Viajar te dá uma régua comparativa. Depois de 200 cidades brasileiras e muitas capitais mundo afora, minha impressão é: o Japão transformou educação de base e respeito ao outro em um sistema operacional do cotidiano. Isso tem cheiro de cultura, gosto de empreendedorismo e cara de inovação — mas, sobretudo, tem ritmo. Em Tóquio, “o novo” não chega com outdoor ou nas telas dos smarphones; ele se infiltra nas rotinas até que ninguém mais lembre como era antes.

Passar alguns dias em Tóquio deixa uma sensação clara: nada ali é “só estética” ou “só eficiência”. Há um sistema cultural que, ao longo de décadas, foi depurado até virar métodos de gestão, padrões de serviço e protótipos de cidade. O resultado é uma economia que combina excelência operacional, obsessão por qualidade, respeito radical ao cliente e capacidade de melhorar continuamente.

Para quem empreende — em especial em serviços, varejo, indústria leve e economia criativa — o Japão não é um conjunto de curiosidades: é um laboratório de práticas adaptáveis.

A seguir, abro minha mala de oito dias em Tóquio e tiro cinco lembranças mais elaboradas. Não são lembrancinhas de loja; são objetos de bolso para usar em equipe, em loja, em serviço, em produto digital. Entre um parágrafo e outro, deixo “truques de viagem” — pequenos métodos para quem quer testar amanhã.

Antes dos aprendizados, alguns números para calibrar a lente:

Tamanho do universo empresarial: o Japão tinha 3,674 milhões de empresas, acrescido de 5,079 milhões de estabelecimentos individuais em 1º de junho de 2021, empregando 57,5 milhões de pessoas.
Peso dos pequenos negócios: mais de 99% das empresas japonesas são micro e pequenas e respondem por cerca de 70% do emprego — um pilar da economia, segundo relatórios oficiais do Japan Finance Corporation 2024.
Composição do PIB (setores): a economia é majoritariamente de serviços. Em 2024, o setor de serviços ficou próximo de 70% do PIB, indústria 29% e agro 1% (World Bank).
Startups e política pública: desde 2022 o governo executa o Startup Development Five-Year Plan, mirando investimento anual de ¥10 trilhões até 2027 e metas de 100 mil startups e 100 unicórnios. O investimento em startups multiplicou-se por 10 entre 2013 e 2022.

Guarde esses faróis; eles ajudam a interpretar a cidade como uma aula a céu aberto de cultura, empreendedorismo e inovação.

O metrô que te abraça (sem te tocar)

Primeiro choque de Tóquio: nunca me senti guiado com tanta suavidade. Principalmente em se falando de setas no chão, números grandes, pictogramas redundantes, mapas com “você está aqui” em cada virada.
E vejam que a Região Metropolitana da cidade é a maior do mundo, com aproximadamente 37 milhões de habitantes, enquanto só a cidade de Tóquio tem cerca de 14 milhões. Essa grande população faz de lá a área urbana mais populosa do mundo.

O som do anúncio chega antes do trem ter problema; a fila se forma antes de a porta abrir; as pessoas entram e saem como se dançassem.

O que o empreendedor leva disso? Que UX é urbanismo. A sinalização não é enfeite; é política pública de eficiência, de redução de ansiedade. No negócio, isso vira:

• Menu que respira (menos itens, letras grandes, hierarquia visual).
• Caminho do cliente desenhado (entrada decisão pagamento retirada pós).
• Redundância boa: ícone + cor + palavra (vale para loja física e para app).

O omotenashi do cotidiano (hospitalidade que antecipa, não que performa)

No Japão, o “atender bem” não é palco; é mecânica de relógio. As konbini (lojas de conveniência quase infinitas distribuídas cidade afora) parecem uma tese sobre micro soluções: meia calça ao lado do guarda-chuva, latte ao lado da água, um bentô salvador às 23h42. O atendente olha pouco, mas percebe tudo: embalagens mais fáceis de abrir, bandejas de entrega com borda azul para não derrubar, o troco entregue com as duas mãos como quem devolve tempo.

7-Eleven, Lawson e FamilyMart dominam conveniências de alta rotação com variedade calibrada, reposição frequente e processos com tempos padrões.

O que o empreendedor leva disso? Atendimento não é “carisma” de um funcionário; é roteiro. E não é “puxar assunto”; é prever necessidade.

A religião dos detalhes úteis (e só dos úteis)

Café que acerta o ponto do grão, loja que repõe o básico antes de o básico acabar, restaurante que nunca erra a mesa — detalhe não é frescura; é economia de problema. O Japão cultiva uma palavra difícil de traduzir, kodawari: obsessão pelo que importa. Não é o perfeccionismo que trava; é padrão que protege.

O que o empreendedor leva disso? Eleger três padrões sagrados. Três. O resto é negociação; esses, não.

• Disponibilidade do campeão: seus 5 itens mais vendidos nunca podem faltar.
• Tempo de pico: do pedido à entrega, um tempo padrão visível (e verdadeiro).
• Acabamento: “foto do padrão ideal” para organização de vitrine, bancada, mesa.

O kaizen que cabe no bolso (melhorar um pouquinho por dia)

Se inovação para você só existe em hackathons ou startups, o Japão te convida a baixar a bola. Lá, a grande inovação é não ter drama: um problema reportado cedo, uma solução pequena testada rápido, uma regra nova escrita e… vida que segue. Essa melhoria diária tem um jeito carinhoso de chamar: kaizen. O nome é japonês; o hábito cabe em qualquer lugar no Brasil.

O que o empreendedor leva disso? Quadro de melhoria visível e reunião curtinha em pé. Nada de “vamos marcar”. Todo dia, 10–15 minutos, alguém puxa:

• Qual foi o atrito de ontem?
• O que testamos? Funcionou?
• Se funcionou, vira padrão (escrito).
• Se não, tentar outra coisa hoje.

O que o Japão ensina ao Brasil (e vice-versa)

Quem já andou o Brasil sabe que a nossa criatividade e o nosso calor humano são superpoderes. Em Tóquio, me peguei pensando: “Se a gente temperar isso com rotina, padrão e sinalização… a casa voa”.

Traduções honestas:

• Volatilidade do estoque: “estoque no osso” sem dado é ruptura. Solução brasileira: classificar itens A/B/C (os A não podem faltar), negociar reposição com fornecedor e usar alerta simples no PDV.
• Atendimento carismático: dom é ótimo, mas padrão é seguro. Escreva o básico, treine o gesto, libere o improviso dentro de fronteiras.
• Improviso criativo: ótimo para testar em 48 horas; perigoso se não documentar. Fez, mediu, funcionou? Vira card com nome e data.

Sete cenas de Tóquio que viram prática amanhã

1. Piso tátil na calçada: acessibilidade no app (alto contraste, tamanhos ajustáveis).
2. Filas alinhadas antes da porta: pré-fila no digital (check-in online, estimativa honesta de espera).
3. Máquinas de venda por toda parte: self-service onde fizer sentido (retirada rápida, totens, pagamento por aproximação.
4. Silêncio no trem: política de “sem barulho” em horários e setores específicos (ambiente de foco = produtividade).
5. Recibo explicadinho: transparência de preço (decompor a conta, explicar taxas).
6. Placas bilíngues: linguagem inclusiva (evitar jargão; treinar uma versão “para a avó entender”).
7. Anúncio que antecipa problema: comunicado preventivo (se cair o sistema, avise rápido, diga o que fará, dê prazo real).

Conclusão (com gostinho de konbini às 23h42)

Depois de 33 países, o Japão me ensinou algo simples e potente: inovação pode ser invisível. Ela acontece quando o caminho está claro, quando a decisão é fácil, quando o erro é contido cedo, quando o cliente sai sem história ruim para contar — porque tudo fluiu. No Brasil, temos brilho nos olhos e um vasto repertório. Isso sem contar um conjunto de problemas quase infinito, que serve de ponto de partida para melhorias.

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Se juntarmos isso a sinalização, rotina e padrão que serve ao cliente, nossa melhor versão aparece.
De volta ao Brasil, o ganho está em começar pequeno, padronizar o que funcionou e aprender no caminho.

É assim que a viagem deixa de ser lembrança e se torna vantagem competitiva.

Lembre: não precisa transformar seu negócio em um metrô japonês da noite para o dia. Basta uma plataforma por vez: sinalizar melhor, acolher uma fila, padronizar um gesto, testar um experimento, medir um número. E repetir. No fim, aquele “clique” de Tóquio vira hábito — e hábito, no empreendedorismo, é o nome secreto da inovação.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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