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Poucas dúvidas são tão universais quanto esta: afinal, o que é melhor — colocar gelo ou usar calor quando sentimos dor?
A resposta, embora pareça simples, depende de entender o que está acontecendo dentro do corpo. Para compreender quando usar cada um, precisamos sair do automático e entender como o corpo reage à dor e à inflamação.
A lógica por trás do gelo
O gelo ou crioterapia é usado há séculos para reduzir dor e inflamação. Quando aplicamos frio sobre uma região lesionada, ocorre uma vasoconstrição — os vasos sanguíneos se contraem, diminuindo o fluxo de sangue local. Isso reduz o extravasamento de líquidos e, consequentemente, o inchaço.
Além disso, o frio diminui a condução nervosa, ou seja, os impulsos de dor chegam com menos intensidade ao cérebro. Por isso, o gelo é tão eficiente para aliviar dores agudas logo após uma entorse, uma pancada ou uma cirurgia.
Em termos práticos: o gelo acalma a inflamação inicial, diminui o edema e proporciona alívio quase imediato.
Quando o gelo é indicado
1- Fase aguda de uma lesão: nas primeiras 48 a 72 horas após uma entorse, uma contusão ou uma distensão muscular.
2 - Após atividades intensas: em treinos muito pesados ou competições, o uso do gelo ajuda a conter o processo inflamatório muscular secundário ao esforço.
3 -Pós-operatório imediato: após cirurgias ortopédicas, o gelo ajuda a controlar dor e edema sem necessidade de aumento de analgésicos.
O frio deve ser usado com moderação. Aplicar gelo diretamente sobre a pele pode causar queimaduras por frio. O ideal é usar uma camada de proteção (como uma toalha fina) e limitar a aplicação de 15 a 20 minutos por vez.
Outro erro comum é usar gelo por tempo excessivo ou em fases em que a inflamação já passou — o que pode retardar a cicatrização.
A lógica por trás do calor
O calor, por sua vez, faz o oposto: provoca vasodilatação, aumentando o fluxo sanguíneo na região. Isso melhora o aporte de oxigênio e nutrientes, relaxa a musculatura e acelera a eliminação de resíduos metabólicos.
Por isso, o calor é o grande aliado das dores crônicas, das tensões musculares e das rigidezes articulares. Ele atua mais no conforto e na mobilidade do que no controle de inflamação.
Quando o calor é indicado
• Tensões musculares e contraturas
• Dores articulares crônicas
• Antes do exercício físico
Quando deve ser evitado
Nunca se deve aplicar calor em uma região inchada, vermelha ou inflamada. Nessas situações, ele pode piorar o quadro, aumentando o edema e o desconforto. Também deve ser evitado em áreas com sensibilidade reduzida (como em neuropatias ou após cirurgias recentes).
Durante décadas, o protocolo clássico de tratamento imediato de lesões esportivas era o famoso RICE — Rest, Ice, Compression and Elevation (repouso, gelo, compressão e elevação).
Hoje, esse conceito evoluiu. Pesquisadores vêm mostrando que a inflamação não é inimiga, e sim parte essencial da cicatrização.
Por isso, muitos profissionais substituíram o RICE pelo PEACE & LOVE, um acrônimo mais atual que propõe:
• P: proteção
• E: elevação
• A: evitar anti-inflamatórios no início
• C: compressão
• E: educação do paciente
• L: carga progressiva (load)
• O: otimismo
• V: vascularização (atividade leve precoce)
• E: exercício
Nesse novo modelo, o gelo continua tendo seu papel, mas com uso pontual e estratégico — não mais como tratamento único ou obrigatório.
E o contraste térmico?
Outra técnica popular é o contraste entre frio e calor, alternando imersões ou compressas de temperaturas diferentes. Essa variação provoca uma “ginástica” nos vasos sanguíneos, estimulando a circulação e reduzindo edema residual.
O contraste térmico é especialmente útil em situações de recuperação muscular pós-treino e em reabilitações de tornozelo e joelho, quando há rigidez e pequeno edema persistente.
Ferramentas de desempenho
Além do contexto terapêutico, o gelo ganhou espaço no mundo do esporte de alto rendimento. Banhos de gelo e crioterapia de corpo inteiro são usados por atletas de elite para reduzir dor muscular tardia (aquela que aparece um ou dois dias depois do treino intenso) e acelerar a recuperação entre provas.
Embora as evidências sejam mistas, muitos atletas relatam melhora subjetiva de bem-estar e disposição. O ponto de atenção é que o uso excessivo de frio logo após o treino pode atenuar a resposta inflamatória benéfica do exercício, reduzindo o ganho muscular. Ou seja, bom para recuperação rápida, mas talvez ruim se o objetivo for hipertrofia.
Já o calor tem papel fundamental na fase subaguda e crônica da reabilitação. Após lesões ligamentares, cirurgias ou períodos de imobilização, o aquecimento local ajuda a devolver elasticidade e facilita os alongamentos.
A importância do contexto individual
Nenhum recurso isolado substitui um bom diagnóstico. O mesmo sintoma — por exemplo, uma dor no tornozelo — pode ter causas diferentes: inflamatória, mecânica, muscular ou articular. Por isso, o uso de gelo ou calor deve ser individualizado e, idealmente, orientado por um profissional de saúde.
Mensagem final ao leitor: na dúvida, lembre-se da regra de ouro — gelo nas lesões recentes, calor nas dores antigas. E se a dor não melhora em alguns dias, procure um especialista. Às vezes o problema está abaixo da superfície, e nenhuma bolsa térmica vai resolver sozinha.
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As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
