
Calçados inadequados no dia a dia: a relação entre moda, trabalho e saúde d
Pausas ao longo do dia, retirando os calçados por alguns minutos, são úteis para reduzir a pressão contínua
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Vivemos em uma sociedade em que a imagem pessoal é constantemente valorizada. A escolha do calçado, mais do que uma questão de conforto ou proteção, tornou-se também um símbolo de estilo, status e identidade. Saltos altos, sapatos de bico fino, rasteirinhas, botas pesadas ou mesmo tênis da moda fazem parte do cotidiano de milhões de pessoas e, em muitos casos, são usados sem reflexão sobre seus efeitos na saúde. No entanto, aquilo que parece apenas uma escolha estética podeterconsequências significativas para o funcionamento dos pés e de toda a cadeia musculoesquelética.
Os pés, apesar de muitas vezes negligenciados, são estruturas complexas. Cada um deles possui 26 ossos, dezenas de articulações e mais de uma centena de músculos, tendões e ligamentos. Essa arquitetura sofisticada permite suportar o peso do corpo, amortecer impactos e garantir mobilidade durante a marcha. Qualquer alteração nesse equilíbrio pode gerar não apenas dores locais, mas também repercussões em joelhos, quadris e coluna. Nesse contexto, o calçado deveria funcionar como um aliado: proteger, estabilizar e distribuir cargas de forma adequada. Mas, quando é mal escolhido, torna-se um agente de sobrecarga e deformidade.
Talvez o exemplo mais clássico seja o salto alto. Símbolo de elegância e sofisticação, ele projeta o corpo para frente e concentra o peso sobre a parte anterior dos pés. Essa simples mudança de eixo biomecânico tem implicações profundas: favorece o aparecimento de joanetes, aumenta o risco de metatarsalgia, sobrecarrega o tendão de Aquiles e ainda pode gerar dores lombares. Muitas mulheres convivem com essas consequências silenciosamente, acreditando que fazem parte da rotina, até que a dor se torna incapacitante. Da mesma forma, os sapatos de bico fino, que visualmente alongam a silhueta, comprimem os dedos e reduzem o espaço natural do antepé. Com o passar dos anos, o resultado pode ser dedos em garra, unhas encravadas ou até neuromas dolorosos.
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No extremo oposto, encontramos as rasteirinhas e sapatilhas sem qualquer tipo de suporte. Embora pareçam confortáveis por não apertarem, deixam de oferecer amortecimento e apoio ao arco plantar. O impacto do solo é transmitido diretamente às estruturas internas, favorecendo o aparecimento de fascite plantar e esporão de calcâneo. Muitos pacientes relatam que, após um dia inteiro com esse tipo de calçado, sentem os pés extremamente cansados, o que não é mero acaso: trata-se de um sinal de sobrecarga crônica.
As botas rígidas e os tênis que priorizam estética em vez de função completam o quadro. As primeiras podem gerar rigidez e bolhas quando mal ajustadas. Já alguns modelos de tênis da moda, apesar de atraentes, não oferecem estabilidade ou absorção de impacto adequadas, sobretudo para quem tem predisposição a pé chato ou pratica corrida ocasionalmente. Em todos os casos, o denominador comum é o mesmo: a estética sobreposta à função, em prejuízo da saúde.
É preciso também considerar o peso das exigências do trabalho. Profissionais que passam longas horas em pé necessitam de calçados com amortecimento reforçado e bom apoio plantar. No entanto, muitos acabam submetidos a normas de vestimenta que privilegiam aparência em detrimento do conforto. O mesmo acontece em ambientes corporativos, em que mulheres são muitas vezes pressionadas a usar saltos ou sapatos de bico fino, mesmo diante de queixas de dor. Já em setores industriais, o uso de botas de segurança é obrigatório, mas nem sempre há atenção suficiente para o ajuste correto do tamanho e para a ergonomia, o que pode gerar problemas semelhantes.
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As consequências do uso prolongado de calçados inadequados não se restringem ao desconforto passageiro. Elas podem evoluir para doenças estruturais, como deformidades nos dedos, joanetes ou artroses precoces. Podem provocar inflamações crônicas, como a fascite plantar ou tendinites, que exigem fisioterapia prolongada e, em casos mais graves, até intervenção cirúrgica.
A pergunta inevitável é: como escolher melhor? A primeira regra é simples, mas muitas vezes ignorada: o sapato deve respeitar a anatomia do pé. Isso significaterespaço suficiente para que os dedos se movimentem livremente, sem compressão. O salto ideal situa-se entre dois e quatro centímetros, altura suficiente para distribuir as cargas de forma equilibrada sem causar sobrecarga no antepé. O solado deve oferecer amortecimento e, sempre que possível, apoio ao arco plantar. Materiais respiráveis ajudam a prevenir bolhas e micoses, enquanto a variação periódica dos modelos utilizados reduz o risco de sobrecargas repetitivas.
É importante lembrar que o cuidado não termina na escolha do sapato. Exercícios simples de fortalecimento e alongamento dos pés podem ajudar a prevenir dores e melhorar a sustentação. Pausas ao longo do dia, retirando os calçados por alguns minutos, também são úteis para reduzir a pressão contínua. Em casos de deformidades já instaladas, palmilhas personalizadas podem redistribuir cargas e aliviar sintomas. Mas, sobretudo, é fundamental ouvir os sinais do corpo: dor persistente, dificuldade em calçar sapatos ou deformidades progressivas não devem ser encaradas como normais, mas sim como alertas para procurar um especialista.
Cuidar da saúde dos pés é investir na própria qualidade de vida. É entender que cada passo, ao longo de anos, pode somar desconforto ou bem-estar. A escolha está, literalmente, em nossas mãos — ou melhor, em nossos pés.
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As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.