
A importância do trabalho multidisciplinar entre ortopedia e fisioterapia
O paciente que recebe um tratamento coordenado tende a entender melhor o processo de reabilitação
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A medicina moderna, cada vez mais, caminha para um modelo de cuidado centrado no paciente, que valoriza o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento em prol de resultados mais eficazes e duradouros. Dentro desse cenário, poucos exemplos são tão emblemáticos quanto a parceria entre ortopedia e fisioterapia, duas áreas que, quando trabalham de forma integrada, promovem não apenas o tratamento da lesão, mas a real recuperação da funcionalidade e da qualidade de vida.
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É comum que o paciente veja o ortopedista como o profissional responsável pelo diagnóstico, pelas cirurgias ou pelas infiltrações, enquanto o fisioterapeuta é aquele que o acompanha nas sessões de reabilitação. Essa divisão simplificada, embora prática, não reflete o real potencial de uma atuação conjunta, estruturada desde o primeiro atendimento até o retorno pleno às atividades cotidianas ou esportivas.
Além do diagnóstico: o olhar integrado
A ortopedia se dedica ao estudo, diagnóstico e tratamento das doenças e lesões do sistema locomotor — ossos, articulações, ligamentos, tendões e músculos. Já a fisioterapia tem como foco o restabelecimento da mobilidade, o fortalecimento muscular, o controle da dor e o aprimoramento da função.
Se considerarmos o exemplo clássico de uma lesão ligamentar no joelho, como uma ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA), fica evidente a necessidade da atuação coordenada. O ortopedista diagnostica a lesão por meio do exame clínico e de imagens, como ressonância magnética, e define a conduta, que pode incluir ou não a cirurgia. Porém, desde o pré-operatório, o fisioterapeuta já pode atuar, preparando o joelho, reduzindo o edema e fortalecendo a musculatura ao redor.
Essa atuação prévia não só melhora o prognóstico da cirurgia, caso ela seja necessária, como muitas vezes reduz o tempo de recuperação e o risco de complicações. A literatura médica demonstra que pacientes que passam por um protocolo de reabilitação antes de cirurgias ortopédicas tendem a apresentar menos dor, melhor amplitude de movimento e retorno mais rápido às atividades.
Fisioterapia não é só pós-operatório
Um dos equívocos mais comuns é enxergar a fisioterapia apenas como uma etapa do pós-operatório. Embora a reabilitação após cirurgias ortopédicas seja, de fato, fundamental, o papel do fisioterapeuta vai muito além.
Em casos de tendinites, entorses, lombalgias, bursites ou lesões por sobrecarga, o tratamento conservador, muitas vezes, é o caminho preferencial. Nesses casos, o fisioterapeuta atua na modulação da dor, no reequilíbrio muscular, no aprimoramento da propriocepção (capacidade de o corpo perceber sua posição no espaço) e na correção de padrões de movimento que podem estar sobrecarregando determinadas estruturas.
Cabe ao ortopedista reconhecer o momento de encaminhar o paciente para o fisioterapeuta e, ao mesmo tempo, estar em constante comunicação para monitorar a evolução e, se necessário, ajustar o tratamento. Essa sinergia é o que define um verdadeiro trabalho multidisciplinar, e não apenas um encaminhamento pontual e isolado.
Prevenção: onde ortopedia e fisioterapia se encontram
O cuidado integrado não se limita aos casos em que a lesão já aconteceu. Muito pelo contrário. A prevenção é talvez a área onde a atuação coordenada entre ortopedistas e fisioterapeutas apresenta os resultados mais promissores.
Avaliações biomecânicas, testes de força e flexibilidade, identificação de desequilíbrios musculares e orientações sobre ergonomia ou prática esportiva segura são estratégias onde o olhar clínico do ortopedista aliado ao conhecimento funcional do fisioterapeuta podem reduzir consideravelmente o risco de lesões.
Atletas amadores, profissionais ou mesmo indivíduos que buscam melhorar sua qualidade de vida por meio da atividade física se beneficiam imensamente dessa abordagem preventiva. Em um cenário onde o número de pessoas praticando esportes cresce, mas muitas vezes sem o devido acompanhamento técnico, o risco de lesões por sobrecarga ou movimentos inadequados também aumenta.
Além disso, em populações específicas, como idosos ou pacientes com doenças crônicas, essa atuação multidisciplinar é ainda mais relevante, prevenindo quedas, fraturas e outros problemas de saúde associados à perda de mobilidade ou à fragilidade muscular.
O impacto no tempo de recuperação e nos resultados
Diversos estudos apontam que o trabalho conjunto entre ortopedia e fisioterapia resulta em melhores indicadores de recuperação, menor tempo de afastamento das atividades, redução no uso de medicamentos e menor risco de recidiva da lesão.
Na prática, o que se observa é que o paciente que recebe um tratamento coordenado tende a entender melhor o processo de reabilitação, se engaja mais com o tratamento e adere de forma mais efetiva às orientações.
Para além dos números, há um impacto direto na experiência do paciente. A sensação de estar sendo cuidado por uma equipe alinhada, que compartilha informações e define o plano terapêutico de forma integrada, gera confiança e contribui positivamente para o processo de recuperação.
É importante destacar que, em casos complexos, outros profissionais também se somam a essa rede de cuidado, como reumatologistas, neurologistas, educadores físicos, psicólogos e nutricionistas. Mas, em grande parte das condições músculo-esqueléticas, a dupla ortopedia-fisioterapia já representa o eixo central do tratamento.
Barreiras e desafios para uma atuação realmente integrada
Apesar de todos os benefícios, na prática, ainda existem desafios a serem superados para que o trabalho multidisciplinar entre ortopedia e fisioterapia ocorra de forma plena.
Entre os principais obstáculos estão:
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Falta de comunicação estruturada entre os profissionais, especialmente em sistemas de saúde onde os atendimentos são fragmentados ou realizados em instituições diferentes;
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Desconhecimento ou subvalorização do papel do outro profissional, o que gera tratamentos desarticulados e menos eficientes;
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Limitações de tempo e recursos, tanto no sistema público quanto no privado, que muitas vezes restringem o acesso à fisioterapia ou à avaliação especializada;
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Cultura do imediatismo, que leva alguns pacientes a buscar soluções rápidas para problemas crônicos, sem compreender a importância do processo gradual de reabilitação.
Superar essas barreiras requer uma mudança de mentalidade, tanto dos profissionais quanto dos próprios pacientes, além de investimentos em estrutura e protocolos integrados de atendimento.
O paciente como centro do processo
Em última análise, todo o esforço para construir um ambiente de atuação multidisciplinar entre ortopedia e fisioterapia deve ter um objetivo central: o bem-estar e a recuperação plena do paciente.
Isso significa olhar para além da lesão isolada e enxergar o indivíduo como um todo, considerando seu contexto de vida, suas expectativas, suas limitações e suas metas. Seja um atleta de alto rendimento, um trabalhador que precisa recuperar a capacidade funcional ou um idoso que busca manter a independência, o cuidado integrado é o caminho mais eficiente e seguro.
Quando ortopedistas e fisioterapeutas trabalham juntos, o diagnóstico é mais preciso, o tratamento é mais direcionado, a reabilitação é mais eficiente e o paciente recupera não só o movimento, mas também a confiança e a qualidade de vida.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.