Tiago Baumfeld
Tiago Baumfeld
Ortopedista Especialista em Pé e Tornozelo. Doutor em Ortopedia pela UFMG.
PÉ & TORNOZELO

Influência do aspecto emocional na percepção de dor

Sentir dor vai muito além do que os exames de imagem ou laboratoriais conseguem mostrar

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Dor é um fenômeno complexo, multifatorial e, acima de tudo, subjetivo. Durante décadas, a medicina tradicional se concentrou em investigar a dor como resposta fisiológica a um dano tecidual, um sinal de alerta do corpo frente a uma lesão. Entretanto, essa visão reducionista vem sendo progressivamente substituída por uma abordagem mais ampla, que reconhece a importância dos fatores emocionais, cognitivos e sociais no modo como cada indivíduo percebe e interpreta a dor. Em outras palavras, sentir dor vai muito além do que os exames de imagem ou laboratoriais conseguem mostrar.

Dor: uma experiência sensorial e emocional

A definição moderna de dor, proposta pela International Association for the Study of Pain (IASP), deixa claro que dor é “uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a dano real ou potencial aos tecidos”. Note-se aqui a inclusão explícita do termo “emocional”. Ou seja, não se trata apenas da ativação de terminações nervosas nociceptivas — envolve também o processamento cerebral subjetivo, o contexto da dor e o estado emocional do paciente.

A dor, portanto, é tanto um sinal fisiológico quanto um construto psicológico. Ela é filtrada pelas experiências anteriores, pela personalidade, pelo humor e, principalmente, pelas emoções. Um indivíduo ansioso ou deprimido, por exemplo, tende a relatar dores mais intensas e com maior frequência do que alguém emocionalmente equilibrado, mesmo quando enfrentam condições clínicas semelhantes.

Emoções e o processamento cerebral da dor

A dor é interpretada no cérebro por uma rede de regiões conhecida como pain matrix, que inclui estruturas como o tálamo, o córtex somatossensorial, a ínsula, o córtex cingulado anterior e o córtex pré-frontal. Curiosamente, essas mesmas áreas também estão envolvidas no processamento de emoções, particularmente de estados como medo, tristeza e ansiedade.

Essa sobreposição funcional explica por que fatores emocionais interferem tanto na percepção da dor. Uma pessoa com ansiedade, por exemplo, tem maior atividade na amígdala — centro cerebral responsável por processar o medo. Essa hiperativação sensibiliza as vias de dor, reduz o limiar nociceptivo e amplifica a experiência dolorosa. Isso significa que o paciente não está “imaginando a dor”, mas realmente sente mais dor porque seu sistema nervoso está em estado de alerta exacerbado.

Em estados depressivos, por sua vez, ocorre uma redução da atividade em regiões cerebrais que normalmente exercem controle inibitório sobre a dor. Isso leva a uma menor capacidade de "desligar" ou controlar os impulsos nociceptivos, contribuindo para a cronificação do quadro doloroso.

Ansiedade, estresse e dor: um círculo vicioso

Muitos pacientes com dor crônica convivem com um ciclo autodestrutivo. Sentem dor, o que os leva a se afastar de atividades sociais ou profissionais, o que gera mais ansiedade e estresse, o que, por sua vez, piora a dor — e assim o ciclo se retroalimenta. É preciso abordar o paciente como um todo, incluindo sua saúde mental e suas emoções.

Essa abordagem integrada é ainda mais essencial quando consideramos o impacto que a dor pode ter na autoestima, na qualidade do sono, na sexualidade e nas relações interpessoais. 

A importância da escuta ativa e da validação da dor

Um dos maiores erros na abordagem da dor com componente emocional é desvalidar o sofrimento do paciente. Frases como “isso é coisa da sua cabeça” ou “você precisa ser mais forte” podem ser devastadoras. A escuta ativa, a empatia e o acolhimento são instrumentos terapêuticos fundamentais. Quando um paciente sente que sua dor está sendo compreendida — e não julgada —, ele tende a se engajar mais no tratamento e a responder melhor às intervenções.

Como o tratamento emocional pode ajudar na dor

A boa notícia é que, assim como estados emocionais negativos aumentam a dor, emoções positivas e boas práticas mentais ajudam a reduzi-la. Entre as abordagens mais eficazes estão:

  • Terapia cognitivo-comportamental (TCC): auxilia o paciente a identificar pensamentos negativos automáticos, reduzir a catastrofização e desenvolver estratégias de enfrentamento mais funcionais.

  • Mindfulness e meditação: treinam o foco no presente, promovem autorregulação emocional e têm efeitos comprovados na modulação da dor.

  • Atividade física regular: libera endorfinas, melhora o humor e reduz a sensibilização central.

  • Apoio social: estar inserido em um contexto de apoio, seja familiar ou em grupos de convivência, melhora a resiliência e a tolerância à dor.

  • Intervenções farmacológicas específicas: em alguns casos, o uso de antidepressivos ou ansiolíticos pode ajudar a quebrar o ciclo dor-emocional, principalmente quando há comorbidades psiquiátricas claras.

Tratar a dor é tratar o ser humano por inteiro

A medicina do século 21 precisa abandonar a visão mecanicista da dor e adotar uma abordagem verdadeiramente integrativa. Tratar a dor sem considerar o contexto emocional do paciente é como tentar apagar um incêndio com metade do extintor.

É necessário que médicos, fisioterapeutas, psicólogos e demais profissionais de saúde trabalhem juntos para oferecer um cuidado centrado no paciente, que considere não apenas a lesão, mas a pessoa por trás dela.

Porque, no final das contas, a dor que dói na alma também dói no corpo. E a cura, muitas vezes, começa pelo afeto, pelo acolhimento e pelo olhar humano que vê além da lesão — e enxerga o sofrimento em sua totalidade.

Quer mais dicas sobre esse assunto? Acesse: www.tiagobaumfeld.com.br ou siga @tiagobaumfeld

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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