
Pedras no caminho da COP30
A inércia da Casa Civil não prejudica apenas a COP, transmite ao exterior a imagem de um país sem ética, que aproveita um evento de alta importância para o futu
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Faltam pouco mais de dois meses para começar a reunião técnica da COP30, em Belém (PA). Na semana anterior, será a reunião dos chefes de estado e governo. Até agora, há pedras no caminho da COP provocando incerteza sobre quantos dos 197 países partes da Convenção do Clima comparecerão. A coordenação de infraestrutura e logística da COP30 ficou a cargo do Gabinete Civil da Presidência, portanto do ministro Rui Costa, e do governo do Pará. Tem sido um fracasso.
Os preços escorchantes dos hotéis estão afugentando os países, que ameaçam não comparecer. O número de vagas foi subestimado. Os responsáveis pela logística não parecem se importar com a extorsão de empresas hoteleiras que estão cobrando de 10 a 20 vezes mais do que as diárias que praticam na alta temporada turística. A inércia da Casa Civil não prejudica apenas a COP, transmite ao exterior a imagem de um país sem ética, que aproveita um evento de alta importância para o futuro humano explorando os visitantes.
O péssimo planejamento do evento forçou uma mudança na agenda tradicional das COPs, programando o encontro dos chefes de Estado e governo para a semana anterior ao encontro dos técnicos. Tradicionalmente, se dá o inverso. Na lógica político-diplomática das COPs, os técnicos e os diplomatas negociam a agenda programada e os impasses políticos que impedem acordo em torno de temas mais sensíveis costumam ser resolvidos politicamente pelos governantes presentes.
Ao final, a assembleia final das partes vota o documento de consenso. Eu cobri várias COPs e registrei a importância desse trabalho político na undécima hora da assembleia de encerramento. Na COP15, em Copenhague, não fosse a negociação informal entre os então presidentes Barack Obama, Lula, Jacob Zuma e os primeiros-ministros Wen Jiabao e Manmohan Singh, o fracasso teria sido completo.
Havia um impasse entre EUA e China. Obama queria resolver. O chinês evitava falar com ele. Obama entrou sem convite na reunião do Basic, formado por Brasil, África do Sul, Índia e China. Desta negociação saiu o acordo. Ele foi vetado por uma minoria ínfima na assembleia final, mas foi incorporado aos acordos de Cancún, na COP16. Narrei esse encontro no livro “Copenhague antes e depois.”
Em Paris, na COP21, saiu o acordo que deveria ter saído de Copenhague. A ação política e diplomática foi decisiva. Íamos dormir na madrugada com as negociações travadas por nós cegos e acordávamos sem os nós. O trabalho diplomático ao longo da noite desatava os nós. O representante dos Estados Unidos, secretário de Estado John Kerry e o presidente da COP21, o experiente Laurent Fabius, então ministro das Relações Exteriores da França, fizeram corpo a corpo no plenário da assembleia final e conseguiram aprovar o Acordo de Paris.
Conversei com algumas pessoas diretamente ligadas às negociações na COP30 e elas reconhecem que a inversão da agenda é um problema. Estão tentando contorná-lo com um processo mais intenso de negociações prévias para evitar impasses que só poderiam ser resolvidos pelos chefes de governo presentes. Essas mesmas pessoas se mostram muito preocupadas com o problema de alojamento.
Uma COP sem as partes seria como uma Copa sem os times. Não dá para fazer um campeonato sem os jogadores. Não dá para aprovar regulamentações cruciais do Acordo de Paris sem as partes na convenção. A Convenção do Clima aprovada na Rio 92 é uma lei-quadro. Um guarda-chuva para abrigar explicitações negociadas passo a passo regulamentando ou especificando as cláusulas genéricas da Convenção-Quadro.
Pelo menos dois temas sensíveis estarão na agenda da COP30. Um deles tem a ver com o retrocesso na COP29, em Baku, no Azerbaijão. O texto aprovado em Baku excluiu a menção à saída dos combustíveis fósseis, aprovada na COP28, em Dubai. Ficou o impasse a resolver em Belém. Ele definirá o grau de sucesso da COP no Brasil. Há a ideia de se aprovar um mapa do caminho para a saída progressiva dos combustíveis fósseis. Também não houve consenso sobre o tema da transição justa.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.