SÉRGIO ABRANCHES
Sérgio Abranches
Sérgio Abranches

Versões insinceras na política

A Constituição diz que o Legislativo só pode cancelar decretos do Executivo que exorbitem de sua competência legal. A lei autoriza o Executivo a alterar alíquot

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A crônica política gira em torno de uma versão do conflito entre os poderes da República, na qual são protagonistas uma Presidência disfuncional, um Congresso virtuoso e um Judiciário intrometido. Não é razoável falar de Congresso virtuoso sobre um Legislativo dominado pelo centrão, conglomerado de partidos amorfos, hospedeiros de caciques expoentes do fisiologismo.


Lula tem sua cota-parte no latifúndio de erros de estratégia ou comportamento. Mas examinando o Congresso, não como uma instituição abstrata, mas como uma assembleia de pessoas políticas concretas com seus interesses e suas propensões ideológicas, vê-se o que ele de fato é. É preciso examinar como vota a maioria do Congresso e o que não vota. Decisão não é apenas a que vai a voto na Ordem do Dia. Inclui as que não chegam, por escolha de um pequeno conjunto de líderes. Não-decisão é uma entidade subalterna à deliberação de não decidir. O Legislativo tem uma série de comportas que abrem e fecham liberando ou bloqueando a entrada de projetos para serem apreciados.


Também não faz sentido dizer que o conflito começou com o decreto que aumenta a alíquota do IOF e o recurso do governo ao Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade da decisão do Executivo e consequente inconstitucionalidade do decreto legislativo que o invalidou. A Constituição diz que o Legislativo só pode cancelar decretos do Executivo que exorbitem de sua competência legal. A lei autoriza o Executivo a alterar alíquota do IOF por decreto.


Dizer que a judicialização é uma afronta ao Congresso, além de ferir o direito consagrado de peticionar à Justiça, é uma afirmação falsa. Se houve afronta, certamente foi a votação do projeto de decreto legislativo contrariando prerrogativa legal do Presidente da República. O PDL foi aprovado mesmo depois que o ministro Fernando Haddad suavizou o decreto do IOF.


Se o Executivo acatasse o PDL estaria ferindo a lei e a Constituição, o que equivaleria ao crime de prevaricação, uma vez que o presidente, ao tomar posse, jurou e assumiu a responsabilidade por cumprir e fazer cumprir a Constituição. Aliás, os parlamentares também. A forma de retaliar a ação do governo encontrada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, foi restringir o direito de alguns partidos recorrerem ao STF contra medidas inconstitucionais. Mais um fruto podre da frondosa árvore do autoritarismo. Vem dessa árvore o projeto de anistia aos golpistas.


É um espanto a insinceridade de parlamentares e intérpretes da economia política ao dizerem que o governo quer apenas aumentar impostos para chegar ao equilíbrio fiscal e o parlamento quer cortar despesas. O legislativo brasileiro é fonte contumaz de gastos, sobretudo quando se trata de seus próprios privilégios e dos ricos. Exemplo dessa propensão é a discussão do aumento da isenção do Imposto de Renda Pessoa Física para aqueles que ganham até R$ 5mil, compensado pelo aumento da alíquota para os que ganham mais de R$ 50mil por mês.


A isenção reduz a desigualdade tributária. O Legislativo não objeta da isenção, um gasto, mas a maioria se opõe à compensação. Em outras palavras, topam o gasto representado pela isenção, mas não topam compensá-lo fazendo os que ganham 10 vezes mais que os isentos pagarem um pouquinho de imposto. É o exemplo nítido de um Congresso que representa os ricos, não a maioria dos eleitores. O ministro Haddad mostrou cálculo de que a isenção beneficiaria 65% dos declarantes de IR e o aumento afetaria apenas 0,13% dos contribuintes. Ninguém apresentou conta diferente.


Diante da resistência à elevação do IOF, o governo apresentou medida provisória aumentando a CSLL das bets e fintechs grandes, às vezes maiores que os bancos tradicionais. Previa, também, a Taxação das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA), hoje isentas de IR, privilegiando investidores nesses papéis. Contemplava, ainda, o corte de R$ 4,28 bilhões em gastos obrigatórios. Está parada em uma das muitas comportas fechadas para não decidir. A revisão dos critérios para o benefício de prestação continuada, BPC, foi promulgada com vetos a provisões inconstitucionais ou a critérios arbitrários de seleção. O Congresso ainda não votou os vetos.


Não é verdadeiro que Haddad prefira aumentar impostos a fazer um ajuste fiscal. Ele quer apenas que o corte de gastos comece pela eliminação dos privilégios ao capital e aos ricos no orçamento e não pelos pobres como tem acontecido toda vez que se aprova medidas de controle fiscal.

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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