Roberto Brant
Roberto Brant
O Brasil visto de Minas

Ainda temos uma Constituição?

Constituições são marcos permanentes, feitos para durar e estar acima da volatilidade das opiniões e de interesses de oportunidade

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O velho historiador inglês Lord Acton escreveu que todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Concordando com este juízo, tanto a teoria democrática quanto a prática constitucional moderna consagram o princípio da divisão e o equilíbrio entre os Poderes do Estado, para impedir o poder absoluto.

A Constituição é a garantia do equilíbrio entre os Poderes. Se a Constituição, escrita por uma Assembleia Constituinte, convocada especialmente para este fim e cujas deliberações se alongam por meses e são acompanhadas do modo mais transparente pela sociedade, pode ser alterada sem qualquer procedimento formal, pela simples vontade da maioria parlamentar de ocasião, a democracia estará fundada sobre areia movediça. Constituições são marcos permanentes, feitos para durar e estar acima da volatilidade das opiniões e de interesses de oportunidade.

A Constituição brasileira, a bem da verdade, é um documento muito pormenorizado. O ideal teria sido que ela fosse muito mais sintética, tratando somente das questões estruturais. Por esta razão, muitas das suas disposições envelheceram precocemente, à medida que o país se transformava após o longo inverno autoritário.

Todos os governos que se seguiram à sua promulgação em 1988 trataram de reformar algumas normas constitucionais. Estas reformas, em si mesmas, não desvirtuaram o caráter da Constituição, porque cumpriram procedimentos que asseguravam o debate, pelo tempo suficiente para que as opiniões da sociedade pudessem influir no juízo dos parlamentares. E assim sempre foi feito, até muito recentemente.

Na Câmara, cada projeto de emenda era discutido em uma comissão especial por várias semanas, o tema da reforma era amplamente debatido na imprensa e especialistas eram ouvidos em audiências públicas. Um longo caminho até que até o texto fosse submetido ao plenário. No plenário, o texto era votado em primeiro turno, voltava à comissão especial e, depois de um interregno de dias, era submetido ao segundo turno de votação. A Constituição era alterada, mas a mudança passava pelo amadurecimento necessário, com respeito à natureza especial da lei constitucional.

Nos últimos cinco anos tudo mudou, especialmente na Câmara dos Deputados. A emenda constitucional se transformou em um atalho para se desviar da lei ou para atender interesses muito particularizados. Para este propósito, foram suprimidas as etapas que permitiam o acompanhamento do processo pela opinião pública. Não há mais comissão especial, o texto é construído às portas fechadas pelos líderes partidários e só é dado a conhecer aos próprios parlamentares, que vão votá-lo, no momento da votação.

A votação é feita às pressas, os dois turnos são realizados na mesma noite e, o mais grave dos absurdos, a votação pode-se dar por meios remotos, pelo celular, a quilômetros do plenário. Parlamentares e opinião pública são mantidos à distância, como intrusos que são neste processo de cunho claramente autoritário.

Na semana que passou, foi a vez de mais uma mudança constitucional, agora para blindar os parlamentares de toda investigação ou procedimento judicial, mesmo diante de crimes comprovados. Todos agora somos iguais, mas os parlamentares são mais iguais, nas clássicas palavras de George Orwell. Foi um procedimento instantâneo, costurado e negociado em horas, longe das luzes da imprensa e da opinião pública, um autêntico golpe parlamentar, que arruína de vez a pouca confiança que o nosso Parlamento merece da nação.

A Câmara dos Deputados, sem legitimidade para isso, está se tornando um poder constituinte e está reescrevendo a Constituição ao seu modo e para seu proveito, sem controle social e ao largo dos outros Poderes constitucionais, afirmando-se como uma espécie de poder absoluto. Estamos diante de uma grave anormalidade. Só nos resta esperar que um dia lideranças com outra estatura, com outra integridade e com outro respeito ao interesse público, tomarão o lugar destes líderes de ocasião. No caminho em que vamos, nosso único destino será a desordem.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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