Onde fica a Serra D’Água?
Uma ida a um sacolão quase requer um dicionário, especialmente para um leigo, que dirá para um gringo
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“A sua batata já está assando” seria uma frase reconfortante se não fosse uma ameaça. Outra advertência conhecida é a frase “enquanto você está vindo com o milho, eu já estou voltando com o fubá” ou “rapadura é doce, mas não é mole”.
“Dar um bolo” em alguém deveria ser algo fofo – quer coisa mais reconfortantes que um bolo? –, e não deixar alguém esperando sem aviso.
“Enfiar o pé na jaca”, “falar abobrinhas” ou lidar com pessoas “mexeriqueiras” são uma das expressões metafóricas de referências culinárias no dia a dia.
“Não adianta chorar sobre o leite derramado” e avisamos que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Quando algo é fácil, é “mamão com açúcar” ou “arroz com feijão” e, se ótimo, é um “filé”. O feijão é “sem bicho” quando está tudo certo, mas, quando há um problema, “tem prego neste angu”. E se é difícil, “não é sopa”.
Um homem é um “pão” se é bonito, “pão duro” se é sovina, um “banana” se é um “pamonha”. Uma mulher é uma “broa” se está acima do peso.
No item erótico-sensual, vem o “xuxuzinho”, “deu mais do que xuxu na serra”. Se alguém beija bem, tem uma “boca de mel” e a brincadeira antiga adolescente de beijar era “pera, uva, maçã”.
Maçã sempre foi associada a sensualidade, sedução, mas a desavenças também. Eva no paraíso é o exemplo clássico. Quando a madrasta da Branca de Neve a encontra, ela fazia uma torta de pêssegos. A madrasta, mais experiente, a adverte “a torta de maçãs é que faz os homens ficarem com água na boca”, enquanto lhe oferece a maçã envenenada. Brigas já ocorreram, como na gravadora dos Beatles ou com Steve Jobs na Apple.
Se algo é meloso, é muito “água com açúcar”. Fulano é ”peixe de alguém” quando é apadrinhado. Podemos às vezes “dar uma banana” quando queremos mudar de rumo.
“Camarão que dorme a onda leva” é um belo aviso aos distraídos. Uma pessoa pode ser “arroz de festa”, “fechada como uma ostra”, “galo bom de briga” ou galinha se “pega todo mundo”. Por falar em pegar, uma calça pode ser “pega frango” e o goleiro pode ser “frangueiro”.
Uma ida a um sacolão quase requer um dicionário, especialmente para um leigo, que dirá para um gringo. Alguns nomes de frutas e legumes são normais, mas a maior parte vão de convidativos a exóticos e até depressivos (quer algo mais depressivo do que um pepino comum?).
Um tomate pode ser paulista, holandês, maçã, uva, mas algo que nunca entendi é: por que um tomate se chama Andrea? Alguns nomes são desencorajadores: você compraria o melão rei ou o pele de sapo?
Os nomes de frutas e legumes vão de chiques a enigmáticos, fazendo menção a lugares de próximos a distantes e exóticos: maçãs argentina, fuji, gala e pink lady (?); peras willians, portuguesa e porelle; mexerica carioca. Vi outro dia falando de uma laranja Bahia importada (de onde? Salvador?).
Há ainda a lima da Pérsia, os limões tahiti e siciliano e no sacolão que frequento, pela orientação religiosa da casa, o nome limão capeta foi proibido, virou limão vermelho.
Um gringo me contou que foi comprar banana e não soube escolher entre caturra, prata, ouro e maçã. E “vender a preço de banana”, do jeito que as coisas estão, é algo que não existe mais.
A marchinha de carnaval canta que “Chiquita Bacana lá na Martinica se veste com uma casca de banana nanica”. “O meu pé de laranja lima” foi um livro de enorme sucesso no passado, chegando a gerar um filme e uma novela de TV.
Mas o mais poético deles é a laranja Serra D’Água. Sempre imagino onde fica essa serra, o nome nos remete a algo entre Monteiro Lobato e Guimarães Rosa. Se souberem, me contem.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
