
Quando não houver mais nada
Os tempos de democracia estão desaparecendo de nosso cenário, estamos em tempos dos uns sozinhos
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Recentemente, falei sobre Gaza no Coração (Elefante, 2025), livro coletivo com grandes nomes, organizado por Rafael Domingos de Oliveira, historiador e educador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), estudioso da história da escravidão e abolição nas Américas, coordenador do Núcleo de Acervo e Pesquisa do Teatro Municipal de São Paulo e autor de Vozes afro-atlânticas: autobiografias e memórias da escravidão e da liberdade (Elefante, 2022).
Volto à carga por não suportar assistir a tamanha destruição. Dias atrás, vi uma bomba explodir um prédio enorme, derrubado numa megaexplosão. Imagino que muitos que estavam nas imediações foram pros ares e não sobrou nada além de pó.
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É uma visão terrível que arrebenta o coração de qualquer ser humano que o tenha. É terrível assistir aos escombros em Gaza, crianças famintas, famílias desabrigadas. As cenas retornam na memória e reverberam no sem sentido. Difícil presentificar a força devastadora da pulsão de morte pura. Ela faz um trabalho contundente e nos convoca o anseio por recusar essa verdade. Uma repetição que faz eco à tragédia vivida pelo povo judeu, hoje, os sionistas são agentes de outro genocídio de mesmo nível que sofreu com seu próprio povo.
É insuportável assistir às guerras que o homem trava contra sua própria espécie. Isso demonstra que o homem, embora possa ser consciente e ético, também, ao mesmo tempo, ser o pior inimigo de seu semelhante, e, com sangue nos olhos, atacar violentamente, não importa o que possa causar a quem isso possa afetar.
Mas não deveríamos nos surpreender com mais nada, já que o nosso próprio mundo vem sendo destruído por predadores em troca de acúmulo de capital, exterminando quem quer que esteja no caminho de sua riqueza. E ainda nos assustamos (ainda bem!), apesar de a história ser repleta de disputas sangrentas e bárbaras, e as forças da civilização, que nada são quando tomadas pelo discurso do ódio que a tudo justifica, caem por terra, se unindo aos propósitos do poder.
A humanidade se auto destrói a olhos vistos e sabemos que a pulsão de morte vence tudo, aniquila as vidas naturalmente ou artificialmente, como é o caso das guerras que hoje ocupam novamente nossas mídias.
Nas palavras de um dos colaboradores do livro, Deivison Faustino, a questão palestina é de todos aqueles que buscamos um mundo mais justo e igualitário. Neste momento de impotência diante de tamanha destruição e desumanização total do outro, resta tomar partido e se somar à pressão internacional que diz em alto e bom som: “Não em nosso nome”.
O que podemos, nós, analistas, diante desse cenário de destruição e morte? Podemos escrever, falar e nos colocar contrários. Recusamos aceitar tanta destruição. Se não podemos frear a pulsão de morte, podemos enfrentá-la com palavras. Com palavras que reintroduzam coisas do amor na vida humana.
E quando passo na Praça da Liberdade e vejo bandeiras americanas e de Israel em meio às bandeiras brasileira e mineira sinto um imenso pesar, uma vontade enorme de perguntar àquelas pessoas: É isso mesmo que vocês prezam? Quisera não ver a destruição e a alienação de tal visão. Será que nós, mineiros, apoiamos um genocídio? Estamos apoiando os tarifaços de Trump, sua ingerência no mundo e sua perseguição aos imigrantes?
Nossa bandeira flamula ao vento e nela estão grafadas as palavras dos Inconfidentes, do século 18: Libertas quae sera tamém. Liberdade ainda que tardia. E o triangulo vermelho não é do PT, mas foi adotado como símbolo mor das revoluções. Representa também a Santíssima Trindade e a maçonaria, segundo historiadores.
Liberdade significa respeito ao outro e a cada um, respeito à diversidade, como assim quer a verdadeira democracia. Mas os tempos de democracia estão desaparecendo de nosso cenário, estamos em tempos dos uns sozinhos... Do mestre capitalista que tem a ciência no bolso e toma como objeto de gozo produtos infinitos lançados no mercado. E estamos consumindo e nos consumindo... e nos destruindo... com o tempo, quem sabe .... sumindo.
E quando não houver mais nada, nem ninguém... haverá paz.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.