
Coleção Interditos
Com o lançamento de ‘O sem-sentido do sintoma’ e ‘Princípios de uma psicoterapia da psicose’, Editora Scriptum abre nova frente de publicações sobre psicanálise
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A Editora Scriptum (Belo Horizonte) em parceria com a Xoroi Edición (Espanha), inaugura a Coleção Interditos, sob edição de Faustino Rodrigues, com dois livros: “O sem-sentido do sintoma”, de Geraldo Arenas, e “Princípios de uma psicoterapia da psicose”, de José Maria Álvarez.
A coleção terá vida longa e trará ao público brasileiro autores que, a partir de diferentes contextos, dialogam com os fundamentos da psicanálise, ao mesmo tempo em que os atualizam frente aos desafios do mundo contemporâneo.
A palavra Interditos, segundo Rodrigues, remete ao proibido, e ao mesmo tempo, se insinua entre-ditos, nos intervalos das palavras, no não dito diretamente. A verdade nunca é toda: se diz no semi-dizer.
Hoje comento o “Princípios de uma psicoterapia da psicose”. Psicanalista da Associação Mundial de Psicanálise (AMP), experiente no tratamento com psicóticos, José Maria Álvarez atua no serviço público, na Unidade de Psicoterapia Especializada, dentro da estrutura de um serviço de psiquiatria e psicologia clínica de um hospital geral.
Nesse livro, apresenta uma perspectiva apoiada em conceitos de Freud e Lacan, porém, com uma proposta que agrega outros referenciais teóricos. Ele usa os termos “psicoterapia” e “loucura”, não adotados no campo da psicanálise, ciente de que falar de psicoterapia para psicanalistas é falar de forca em casa de enforcado. Cita um trecho da entrevista de Lacan na televisão francesa em 1974: toda psicoterapia “nos leva de volta ao pior”.
Isso porque as psicoterapias oferecem soluções para questões pontuais, buscam adaptação ao meio e resolução de conflitos específicos, incentivando o fortalecimento do ego, enquanto a psicanálise trabalha na exploração do inconsciente e centra-se numa ética do bem-dizer sobre o desejo singular do sujeito. Mas não podemos negar seus efeitos terapêuticos. Em seu trabalho, justificado pela experiência, adota uma pluralidade de orientações.
Álvarez considera pertinente chamar de psicoterapêutico o tratamento com a loucura por não incluir a associação livre, interpretações e cortes, como a psicanálise. A psicose, considerada na psicanálise um “inconsciente a céu aberto”, requer outro manejo.
Lacan propõe que os analistas não recuem diante das psicoses, mesmo sendo o diferente de um tratamento padrão, como o das neuroses. Nem por isso deixa de receber o título de psicanálise. Segundo Lacan: “Vamos aparentemente nos contentar em passar por secretários do alienado. Empregam habitualmente essa expressão para censurar a impotência dos seus alienistas. Pois bem, não só nos passaremos por seus secretários, mas tomaremos ao pé da letra o que ele nos conta – o que até aqui foi considerado como coisa a ser evitada.” (LACAN 1955-56, p. 236).
A transferência, ligação com o analista, tem peculiaridades devido às dificuldades próprias desses pacientes em estabelecer laços de adesão. Álvarez considera a personalidade do terapeuta fator importante. É a ligação entre terapeuta e paciente que sustenta o trabalho, apesar de intercorrências (sugestões, erros, etc.), que poderiam causar uma interrupção.
Enfatiza uma atenção cuidadosa sob risco de desestabilização e da cronificação. E ressalta que a grande solidão gelada, o fechamento num mundo particular, delirante e alucinado, fazem esse processo árduo. Não desconhecemos as divergências, porém, na leitura, reconhecemos a vasta experiência do autor e, no seu testemunho, a assertividade, e, concordo, serem mais psicoterapêuticos do que psicanalíticos, mesmo adotando referências de Freud e Lacan.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.