
Tempos de morte e luto
São dias difíceis em que a morte, o genocídio, retornam ao cenário mundial após a trégua que se seguiu às grandes guerras do século 20
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“Nossa época, a marca, a cicatriz da evaporação do pai, é o que poderíamos por como a rubrica e o título geral de segregação. Cremos que o universalismo, a comunicação de nossa civilização homogeneíza a relação entre os homens. Eu penso, ao contrário, que o que caracteriza nosso século – e é impossível de dar-se conta – é uma segregação ramificada, reforçada, repartida em todos os níveis, que não faz mais que multiplicar as barreiras”.
Estas palavras de Jacques Lacan, comentadas por Leny Magalhães Mrech, psicanalista e Professora Livre-Docente da Feusp, apontam o plural, segregações, em todos os níveis da sociedade, desde a questão antiga das guerras com os exilados dos países, até a Guerra da Ucrânia e os seus 14 milhões de exilados.
Não podemos esquecer quando falamos de mortes em larga escala da pandemia. Adoeceu e causou sequelas, enterrou negócios, empregos, nos arrastou para situações de penúria econômica e desespero que jamais poderíamos prever.
Na sequência, o terrível conflito na faixa de Gaza, causando um genocídio ultrajante, causando fome e miséria, destruição na vida de civis. Esta semana bombardearam uma escola onde crianças e mulheres se abrigavam. O conflito se estende para o Irã. Os Estados Unidos entram sob o risco de elevar essa crise a nível mundial.
Portanto, o modelo que tem predominado é o segregativo, bastante similar aos campos de concentração previstos por Lacan na “Nota sobre o Pai”, ao falar da importância de uma segregação ramificada. Pode-se dizer que atualmente a segregação é parte da vida cotidiana de cada um. Efeito do capitalismo que prioriza coisas preterindo as relações humanas.
Lacan introduz o conceito de segregação, comenta a professora Leny, como efeitos do discurso da ciência, evocando o campo de concentração nazista como um precursor do reordenamento das agrupações sociais feitos pela ciência e, em especial, a universalização que esta introduz e, ainda, vaticinando que nosso futuro de mercados comuns encontrará seu contrapeso na expansão cada vez mais dura dos processos de segregação.
São dias difíceis em que a morte, o genocídio, retornam ao cenário mundial após a trégua que se seguiu às grandes guerras do século 20. Tudo isso num cenário de crise climática e ecológica que assola o mundo. No Brasil o Congresso propõe a suspensão de Leis de Proteção Ambiental e trabalha contra qualquer ação do governo, impossibilitando progressos. Principalmente os sociais. Congresso que pretende governar o Brasil, sem qualquer escuta democrática, ou plebiscito, sugerindo um golpe de poder, já que vem derrubando constitucionalidades.
Uma grande insatisfação com o destino do ser humano nos leva a lamentar. Fomos educados a abandonar nossos impulsos egoístas em prol do bem comum. Mas concordamos com Freud que tudo aquilo que foi reprimido pela educação continuada, em situações de conflito e guerra, são suspensos, reacendendo o egoísmo infantil.
Um ofuscamento lógico da racionalidade das melhores cabeças em consequência do impulso emocional. Há uma transformação pulsional, uma involução, o comportamento regride a uma maneira inculta, primitiva. Nos surpreende e horroriza a falta de discernimento, a teimosia, a inacessibilidade frente aos argumentos mais veementes. A postura acrítica causa temeridade. A sabedoria abandona o homem tão logo sinta-se desafiado em seu poderio fálico, respondendo com o bélico, em disputas sanguinárias.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.