Regina Teixeira da Costa
Regina Teixeira Da Costa
EM DIA COM A PSICANÁLISE

Escrever, costurar, fazer um corpo

Encontramos na arte, na literatura, na poesia a única forma de ter alento e um pouco de leveza, nestes dias de desilusão com guerras e pulsão de morte 

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Nestes dias de desilusão com guerras e a pulsão de morte obscena deflagrada, as políticas equivocadas nos deixando sem fé no Brasil, diante desse real impossível de suportar, encontramos respiros dos quais não podemos prescindir.

 

Quero dizer com isso que a única forma de ter alento e um pouco de leveza encontramos na arte, na literatura, na poesia. Alguma sensibilidade para amenizar nossos corações.

 


Elas nos permitem compartilhar a sublimação, a manifestação do inconsciente, o mundo subjetivo do artista, que, com sua fantasia, seu olhar direcionado para a criação poética, produz na vida cotidiana um prazer elevado.

 

Lembremos Freud, ao dizer que, como no brincar da criança, o poeta, o artista, transpõe as coisas de seu mundo para uma nova ordem, que lhe agrada, e é protagonista de sua história. Uma forma de elaboração.

 


A propósito, recebi a terceira edição revisada do livro de Jonas Samudio lindamente intitulado “Demasiado alinho: Teresa - e outros textos sobre escrita e costura” (Ed. Teresa Texto Tecido: Belo Horizonte, 2025). Uma edição independente sofisticada, atada por um viés carmim, claro, cosido por ele mesmo. Um caprichoso trabalho, que nos convida à leitura imediata. Abri e comecei...

 


Comecei no inverso, quarta capa, que nos apresenta no verso: “Este livro, nos textos que o compõem, é o testemunho de uma prática e de um pensamento: deitar a escrita entre pedaços de tecido, depor trechos de texto entre vestes, com tecidos costurar o poema, com a mão que os sustenta descobrir o corpo/ do demasiado ao pesponto sob este viés”.

 


Em seguida, belíssimo posfácio de Mary Arantes: canteiros monacais. Como eu, declara não saber por onde começar a destecer o segredo de Jonas, como pede Teresa d’Ávila. Qual o segredo desse autor? Seu interesse envolto em véus, vela e revela no viés do tecido, cortado a fio, em camadas superpostas, como ataduras onde o corte dói.

 


Camadas metafóricas ou teciduais, compostas por nesgas que se desdobram, caem pesada ou suavemente no comprimento do mármore da sagrada escultura da santa de Bernini. Da bainha aos pés do corpo-casa.

 


Texto e tecido no contexto de cobrir e descobrir o não dito de quem veste ou lê. Sacralidade e gozo, semeados com palavras que germinam gerando um fruto belo e estranho, resiliente e imperfeito.

 


Samudio aponta de onde a inspiração o tomou: “No começo começou o sonho/ quando não escrevia, não cosia/ somos santa Tereza e eu, assentados a uma mesa rústica no refeitório, em um carmelo, por certo, ela, com hábito castanho e véu preto, eu, com vestes castanhas ainda sem véu, ela toma minhas mãos entre as suas, aquiesço, ela me diz num sussurro, no júbilo/comece pelo segredo”.

 


E assim foi, Teresa de Jonas, concebida em junho de 2018, em torno de quatro iluminações. Primeira, Santa Teresa D’Ávila, nascida na Espanha, 1515, falecida em 1582, canonizada em 1622, doutora da igreja 1970. Escreveu a vida: “Comecei a me vestir bem e a desejar agradar por ser bonita, ocupando-me das mãos e dos cabelos, e perfumes e todas as vaidades que podia ter, que eram muitas, eu era muito zelosa ... durou-me anos essa grande preocupação do demasiado alinho”.

 


A segunda, a santidade na estátua, corpo transverberado e leve, vestido e dobras de tecido quase nuvens. Hábito a esconder o corpo, dobras barrocas do tecido, aéreo desejoso, embora esculpido em mármore.

 


Terceira: o desejo, do escritor, de roupas únicas, texturas e desenhos; silhuetas com as quais pudesse escrever diferenças.

 


Quarta, nasce de uma atividade artesanal cotidiana, errante peregrina. O tecido, no retalho, está pronto para devir a veste que deseja. Vestidos e peças cosidos, um a um, singulares e reconhecidos, como marca, gerando uma vida, um corpo; desejo que também poderia nomear: escrita. Poemas escritos sobre o corpo. Os quais podemos acompanhar nesse livro poema.

 


O lançamento será em 4 de julho, no Est! Est! Est! Café e Empório (Rua Bernardo Guimarães, 82, Funcionários), das 18h às 20h.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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