
Entre dois mundos
A realidade psíquica é privada e a realidade material é pública, embora se relacionem, não se pode confundir ou tomar como uma continuidade sem cortes
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A escuta é coisa séria. As palavras transmitem muito mais do que o significado encontrado nos dicionários. Elas carregam o mundo do que fala em seu aspecto afetivo e íntimo. O que é falado transporta, nas entrelinhas, o saber inconsciente que sempre está ativo, no sonho, nos lapsos, em sua sonoridade.
Quando escutamos assim alertados, percebemos outro sentido, diferente, mais próximo da nossa singularidade. Na fala há mais a escutar do que o que se diz e é com a escuta que nos damos conta e despertamos para o novo. Um novo sentido singular retirado da subjetividade que promove um deslocamento de posição. Produz travessias.
Salva e muda o mundo e o modo como entendemos a realidade em que estamos inseridos. Dizia o poeta Arthur Rimbaud, no poema “A uma razão”: “Um toque do teu dedo no tambor desencadeia todos os sons e dá início a uma nova harmonia...”
É fascinante incluir na nossa experiência a compreensão de uma realidade psíquica. Ela se distingue radicalmente da realidade material, a qual partilhamos coletivamente, na cultura em que nascemos.
A realidade psíquica é nosso mundo subjetivo, a maneira como as coisas se passam no nosso espaço interno, compreende o inconsciente, o império da fantasia e do desejo. Ela determina o modo como sentimos, interpretamos e entendemos a vida.
Nessa dimensão subjetiva experimentamos os efeitos de nossas vivências, os quais nem sempre são tão claros e reconhecidos com referência à vida subjetiva. Somos divididos, entre consciente e inconsciente, temos uma marca que nos determina, nosso estilo próprio singular, e não sabemos tudo sobre nós.
Interessa dizer que a realidade psíquica é privada e a realidade material é pública. São dois mundos e, embora se relacionem, não se pode confundir ou tomar como uma continuidade sem cortes.
Quando se confunde uma com a outra, como se não houvesse separação entre o espaço interno e o externo, podemos cair em certa confusão de interpretação, muito angustiante, que nos submete a uma dificuldade enorme de transitar socialmente. Como se estivéssemos expostos, livro aberto a ser lido completamente, sem nenhuma proteção, acreditando serem reais as projeções imaginárias. Por isso, a escuta é o que faz discernir do que se trata. É na palavra que está a resposta e a direção.
Nem sempre as pessoas se escutam. Elas falam e só percebem o que dizem, geralmente, quando apontamos. Isso se deve ao fato de que, em parte, não querem saber o que pode incomodá-las, tirá-las da zona de conforto, mesmo que viciada e sem alegria.
Por outro lado, o inconsciente nunca será totalmente elucidado. São guiadas pela fantasia num autoengano, empurrando para debaixo do tapete o que não querem saber. O imaginário visto como verdade, tomado como certeza, se aproxima de um delírio. Acredita-se tanto que ganha o estatuto de realidade. Mas algo nelas fala disso...
É na escuta da ressonância das palavras que se abre o sentido onde se revela a lógica inconsciente, e com que precisão! Por isso o silêncio do analista tem tanta importância, para que não imponha nada de seu e atrapalhe o caminho que as palavras em associação livre vão trazendo, revelando o que é de fato a questão do sujeito. E só dele.
Escutar o saber do inconsciente é realizar aquilo que é nossa função. Costumo pensar que, se o analista não atrapalha, a análise caminha muito bem!! Só o cliente sabe, sem saber que sabe, o que é preciso tratar. Muito ajuda quem, pelo menos, não atrapalha!!!
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.