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Regina Teixeira da Costa
Regina Teixeira Da Costa
EM DIA COM A PSICANÁLISE

Fuga para a literatura

O imperialismo, a arrogância e o sentimento de dono do mundo de Donald Trump prosseguem inalterados. Diante disso, uma vontade imensa de fugir nos domina

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Nos últimos dias assistimos à posse do presidente Donald Trump, que anuncia o fim do declínio americano, prometendo a era de ouro para o país, sendo muito aplaudido pelos seus eleitores e parceiros bilionários, interessados na total desregulamentação da inteligência artificial. Sua atitude de valorização de seu país é notável, mas não em detrimento do rebaixamento e da submissão mundial. Assim espero.


Um tremendo retrocesso nas políticas ecológicas, pela saída dos EUA do Acordo de Paris (um trabalho de anos pela colaboração mundial), pelo fim do investimento em energia limpa, pelas restrições humanitárias relativas à imigração, às questões de gênero, que apontam a intolerância própria e esperada no avanço da extrema direita.

 


O futuro dirá que resultados teremos quando colocadas em prática suas ideias expansionistas e desafiadoras dirigidas a outros países. O imperialismo, a arrogância e o sentimento de dono do mundo prosseguem inalterados.

 


Diante disso, uma vontade imensa de fugir nos domina e cresce no peito o desejo de construir um mundo mais leve, mais acolhedor e que abrace a civilização que provém da união de forças muito mais do que das contendas, exclusões e ameaças. Trump parece crer que por decreto as coisas serão como antes, bastando a pena sobre o papel.


A melhor opção será um respiro enquanto aguardamos, uma escapada do real para a literatura, outro tipo de pena sobre o papel, para amenizar o peso do real da vida. Assim embarquei na releitura do delicioso “Pistas falsas” (Patuá), de José Eduardo Gonçalves. Que alívio.

 


Nas palavras do escritor manauense Milton Hatoum, no posfácio, os contos são narrados com brevidade e precisão e, quase sempre, com assombro, surpresa e auto(ironia). A vingança do autor é inventar a vida dos outros, frase com que define a excelente prosa de José Eduardo.


Cada um deles nos transporta para outra cena, outro tempo, outro mundo e nos envolve. Distribuídos em seis subtítulos: Vidas em desalinho, Só garotos, o Tigre e outros bichos, Espantos, Nocautes e, para fechar, dando título ao livro, Pistas falsas.

 


Alguns ficcionais, outros sugerem ser autobiográficos, pela riqueza de detalhes subjetivos e sensíveis nas relações entre personagens, lembranças de sentimentos, como no conto do menino que se identifica e se encanta com a menina de lábios leporinos. Pelo traço da diferença que exclui uns e cativa outros que igualmente se sentem apartados. Um traço externo atrai, une, aproxima do sentimento do outro.


Ou como o náufrago devorado por uma baleia e, como Jonas, dentro dela, come os peixes engolidos que lhes são oferecidos, devolve ao mar objetos poluidores atirados pelos homens e, nas noites de lua, vê estrelas pela janela da enorme boca de Eloá.

 


Do suspense e indecisão da formiga, se foge ou se fica, debaixo da sombra que a alcança e, antes que se decida, desaparece entre os dedos da pata da onça em sua corrida de músculos contraídos e arremate certeiro na jugular da presa.

 

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Dos muitos amigos de uma infância, lembrados com riqueza de detalhes. Se inventada ou vivida, a história nos alcança, e pouco importa.


O livro de José Eduardo segura o leitor na tensão das palavras, no mergulho em perspectivas. Arrematamos um, adentramos outro. E nessa sucessão nos surpreendemos e nos relançamos. Muito bom. O livro recebeu o Prêmio da Academia Mineira de Letras e merece o leitor que aprecia a boa literatura. E, com certeza, nos alivia do fardo da realidade em que estamos presos e na qual só nos resta viver. E quem viver verá.

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