

A suspensão da política de checagem
Covardes, agimos mal quando ninguém nos vê. As pessoas não falariam nem a metade do que escrevem quando não têm que sustentar o dito frente ao olhar do outro
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A polêmica desencadeada pela declaração de Mark Zuckerberg sobre a suspensão da política de checagem nas redes sociais é justa. A liberação total de limites para transitar nas redes e a desinformação causada pelas fake news são dois grandes problemas.
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Não precisamos de censuras absurdas, religiosas, moralistas ou de uma restrição autoritária do direito de expressão.
Vivemos em sociedade e para isso precisamos contribuir para a proteção de todos. Em uma sociedade sem regras, normas e lei, que é reguladora da vida social, viveríamos no caos. Uma pessoa sem limites é um perigo real para os que com ela convivem.
Nosso corpo natural ainda sem marcas vem ao mundo e é marcado pela voz que fala conosco, transmite a cultura através da linguagem. Nutre, provê, corrige e frustra para o nosso bem. Para que não cresçamos agressivos, pirracentos e antissociais.
Precisamos renunciar a satisfações vindas da agressividade, do ódio, do egocentrismo e voluntariedade infantil. Em parte, são reprimidos, mas sobrevivem num esquecido raso.
A cultura se opõe ao instinto natural de agressão dos seres humanos, à hostilidade de um contra todos e de todos contra um. Esse instinto é representante da pulsão de morte, que encontramos ao lado de Eros e que partilha com ele o domínio do mundo. Essas palavras de Freud apontam a oposição ao livre curso instintual em prol da civilização.
Em certas circunstâncias desfavoráveis de conflito a agressividade irrompe, e se realiza no pior. Inegavelmente temos demonstrações cotidianas de fatos assim. A agressividade reprimida pela repressão não morre em nós e, viva na subjetividade, brota. Por mais civilizados que sejamos, ainda odiamos, invejamos, criticamos, maldizemos, brigamos. Precisamos de limites contra nosso próprio mal. Porque somos capazes do pior: de matar, fazer guerras, torturar, roubar.
Nas redes sociais, protegidos pela tela, distantes o suficiente para não sermos atingidos, é fácil cometer excessos. Covardes, agimos mal quando ninguém nos vê. A grosseria e falta de educação são frequentemente explícitas.
As pessoas não falariam nem a metade das coisas que escrevem quando não têm a responsabilidade de sustentar o dito frente ao olhar do outro. Críticas duras e ácidas, deboche, mentiras, no mundo virtual se tornaram lucrativas! E as pessoas que são normalmente educadas e polidas se comprazem com a agressividade proibida realizada pelo outro. Gozo mortífero fruído.
A suspensão provavelmente libertará mais ainda desse pior. Freud, em “Totem e tabu”, cria um mito no qual o pai, mais forte entre os machos, possuía todas as mulheres, privando os filhos da vida sexual. Isso despertou a ira dos filhos, que o mataram e devoraram e, depois, se arrependeram, porque também o amavam. Isso os obrigou a inventar outro sistema social. Ninguém ocuparia o lugar do morto, pois teria igual destino. Assim decidiram. Ninguém teria tudo. Cada um teria sua mulher. Limite que permitiu um pacto social.
Atualizando esse mito e somando à experiência humana que compartilhamos, fica claro o quão imprescindível é a árdua tarefa de educar os nossos, ou seja, frustrá-los. Só assim estarão prontos para a vida social. Ao Estado cabe legislar sobre injustiças contra indefesos, dos mais fortes contra os mais fracos.
Para as redes virtuais vale o mesmo. Também é preciso uma política reguladora impedindo a violência verbal, as perversões e tudo que contraria os ideais civilizadores e expõe crianças, adolescentes e vulneráveis a situações de risco.
Caberá a nós a responsabilidade ainda maior de cercear o uso da internet de modo rigoroso, uma vez que qualquer conteúdo estará liberado. Sem limites, seremos expostos a todo tipo de perversões, desinformação e abusos, enfim, todo tipo de conteúdo inapropriado estimulando o pior de nós. Não nego o lado positivo das redes, claro.