Paulo Rabello de Castro
Paulo Rabello De Castro

Segurança, o desespero brasileiro

O Rio de Janeiro tornou-se, ao longo de anos e décadas, abrigo da bandidagem provinda de outros estados e até do exterior

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A palavra desespero reflete a perda de confiança na capacidade institucional do poder público de garantir ao cidadão o padrão de segurança pessoal e patrimonial inscrito no artigo da Constituição que trata dos direitos fundamentais: o direito à vida, o direito de ir e vir, o direito à inviolabilidade do lar. No Rio de Janeiro, a proverbial tolerância das autoridades com a quebra desse padrão mínimo de segurança pessoal está na raiz das operações policiais acompanhadas esta semana, com espanto, pela população fluminense e do Brasil inteiro.

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Uma megaoperação de repressão, como a ocorrida na Vila da Penha, no Rio de Janeiro, só acontece quando o cumprimento de mandados de prisão – havia cerca de 100 a cumprir – depende de adentrar áreas urbanas dominadas amplamente por outro poder que não o do governo do Estado, nem, muito menos, do distante poder federal. O Rio de Janeiro tornou-se, ao longo de anos e décadas, abrigo da bandidagem provinda de outros estados e até do exterior, além da delinquência criada e fomentada dentro da ex-Cidade Maravilhosa. A ocupação desordenada de encostas e várzeas favoreceu o adensamento de comunidades fechadas ao patrulhamento regular das forças policiais. E a leniência estatal com o tráfico de armas – associado ao de drogas – completou as condições para a instalação de verdadeiros governos paralelos – “escritórios do crime” – que, com armas e violência, dominam territórios e ali instalam suas sedes administrativas e suas regras paralelas, em absoluto descaso às leis do “povo do asfalto”. Trata-se de uma verdadeira cidade partida, esfacelada em manchas territoriais inalcançáveis pelos poderes ditos públicos.

No Rio de Janeiro, as estatísticas de mortes por armas de fogo são recheadas pelos episódios frequentes de confrontos – não tanto entre policiais e bandidos, como se poderia supor – mas entre facções rivais, em luta por ampliar seus domínios territoriais. Logo, é o domínio dos territórios a variável-chave para a compreensão da operação policial no Rio nesta última semana. Para exercer domínio, são necessários recursos vultosos, o que nos impele a compreender o lado econômico-financeiro do crime organizado. “Sem grana, não há trama” diria um articulador do crime. Uma Organização Criminosa (ORCRIM) é como uma corporação no mundo empresarial, pois reúne meios para atingir fins comerciais, embora ilícitos, seja pela venda de drogas, a exploração de jogos de azar e libidinagem, intermediação de serviços de luz, água e Internet, comércio de gás, distribuição de gêneros e, cada vez mais, por meio de fraudes e golpes digitais, além de sequestros-relâmpago, roubos de cargas e adulteração de combustíveis e cigarros. A longa lista de ilicitudes não para por aí, trazendo para o colo das polícias estaduais um desafio enorme e muito difícil de ser superado.

Não se trata apenas de uma guerra desigual por recursos, entre as forças de segurança e o império do crime, em que a dotação de meios financeiros e materiais às polícias é sempre – e forçosamente – orçamentário e, portanto, demorado e burocrático, enquanto as ferramentas do crime são obtidas na agilidade e na informalidade, quando não na marra. E se os canais judiciais ou legislativos permanecem entupidos, quando não colaboram com as forças de segurança, aí fica quase impossível se obter resultados efetivos e duradouros na repressão ao crime. Nessas horas, as polícias se conformam em ficar apenas “enxugando gelo”, isso quando alguns de seus efetivos não sucumbem à atração da delinquência.

O lado horroroso da última operação policial no Rio de Janeiro – com quatro policiais sem vida e, mais de centena, entre os bandidos – deve ser entendido como produto de muitos anos de derrotas sucessivas das forças de segurança para o mundo do crime. Felizmente, esse não é o caso em vários Estados da Federação. Por razões opostas àquelas que têm promovido a falência da segurança no Grande Rio, a força da Lei tem prevalecido em outras unidades da Federação. Em vários estados, como mostra o quadro, o governo consegue produzir mais segurança com menor gasto relativo (como percentual da sua receita corrente), tudo porque a produção de segurança numa sociedade não depende apenas de gastos com repressão ativa mas, sobretudo, do nível de conformidade social com as leis vigentes. Daí a vantagem de um ordenamento de segurança pública descentralizado pelos 26 estados e DF, pois cada governador, em cooperação com prefeitos locais, tem muito mais sensibilidade e proximidade para atuar na repressão aos ilícitos e na manutenção da ordem pública. Isso não elide a urgência de se buscar mais cooperação e coordenação entre as forças estaduais, como o anunciado Consórcio da Paz, uma iniciativa de governadores, que pode alimentar uma política cooperativa de segurança.

Uma cooperação estadual-federal, em larga medida, ainda não é efetiva até os dias de hoje, apesar de reiteradas promessas de “chegar junto” por parte do governo federal. Uma política nacional de segurança, para valer, baseada em metas claras, desde a repressão à entrada de armas nas fronteiras, passando por vigilância nas contas bancárias e transações suspeitas, repressão a comércios ilegais financiadores do crime organizado e inteligência repressiva sobre os cabeças do crime infiltrados na alta sociedade e nas estruturas de governo, tudo isso ainda é quimera, apenas desejo frustrado da população. Quando o Senado, embora tardiamente, decide instalar uma CPI para investigar a fundo o crime organizado, uma chama de esperança ressurge das cinzas do desespero nacional em matéria de segurança pública. Além de investigar e reprimir organizações criminosas, bem poderia a próxima equipe de governo federal – a partir de 2027 – estar de fato comprometida em dotar o país de outro tipo de ferramenta, a dos meios digitais, na defesa dos cidadãos. O avanço dos meios digitais na identificação de pessoas, os recursos de IA na pesquisa de dados financeiros e textuais, as técnicas de monitoramento por drones e satélites, todos esses são instrumentos fantásticos de combate ao crime, pois reforçam os três I's da Incolumidade dos cidadãos: Inteligência, Integração e Investimento.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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