Paulo Rabello de Castro
Paulo Rabello De Castro
ARTIGO

O Agro chega ao Everest

Sem esse empurrão de fora, sem um novo mercado do tamanho da China, o agronegócio brasileiro seria mera sombra do atual

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A expansão fenomenal do agronegócio no país, em apenas 50 anos, aconteceu pela superação de múltiplos impasses da arcaica “fazenda brasileira”. Essa fazenda tradicional era, na altura das décadas de 1950 e 1960, uma típica produtora de “monoculturas de exportação”, convivendo com produções de “mercado interno”. Tamanha transformação no modo de plantar, criar e vender, desde então, se deve à conjunção de duas “convicções” e um acaso. Alguém me perguntará: “Como é possível que meras convicções – um modo de pensar - possam influir no curso de uma atividade inteira, como a agricultura?”.


As duas convicções são as seguintes: 1) o Brasil político passou a confiar na ciência agropecuária e nos seus pesquisadores; e 2) os governos pararam de querer controlar e reprimir os preços e a produção. A partir dos anos 1970, o governo brasileiro passou a investir somas razoáveis na formação de milhares de novos cientistas e técnicos agrícolas, formados tanto no exterior como nas tradicionais escolas brasileiras. Com essa convicção na força da ciência, surgiu a Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias. Nomes como os de Alysson Paolinelli, Cirne Lima, Eliseu Alves e José Pastore, entre tantos outros, estão associados a essa virada da chave do conhecimento no mundo agro e – mais do que isso – à firme convicção nas contribuições “redentoras” do capital humano.


A segunda convicção no país foi a confiança nas forças do mercado para encorajar produtores rurais a investir e plantar mais. Essa guinada na confiança dos governos sobre o poder de auto-organização da produção por meio do sistema de preços condicionou os governos a não mais intervir nos mercados agrícolas. Até então, a regra era controlar e tabelar preços, como fazia a então poderosa Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab).


O rígido controle do preço das carnes nos açougues é um exemplo desse complicado período. Nas culturas ditas “de exportação” também prevalecia o intervencionismo do governo, via institutos para controlar os mercados de café (IBC), de açúcar (IAA), de trigo, de arroz (IRGA), além de companhias estatais de compra e venda de produção (CFP, Conab, Cobal).


Havia também o infausto CIP – Conselho Interministerial de Preços, que definia preços de fertilizantes, defensivos, máquinas etc. Essa enorme cangalha de intervenção e controles impedia a leitura correta dos incentivos à produção. A partir dos anos 1970, começou a se firmar uma convicção na eficiência de um sistema de preços livres. Não foi uma transição fácil, mas aconteceu, para nossa sorte. E, por acaso, começou uma expansão espetacular do comércio mundial, elevando a demanda mundial por proteínas. O mundo passou a se alimentar mais e melhor. Emerge a cultura da soja como grande estrela da oferta proteica. Mas vão surgindo também, pelas pesquisas genéticas, novas linhagens nas criações de aves, suínos e bovinos. O Brasil embarca nessa grande aventura da modernização do agro, quebrando a dicotomia entre culturas de exportação e de mercado interno.


Surge um agronegócio que hoje paga bem aos empregados e gera renda para as cidades ao redor. A nova tropicultura (o agro adaptado ao trópico) dá um salto quase milagroso, de 58 milhões de toneladas de grãos, produzidos em 1985, para o recorde de 350 milhões t atuais em 2025 (ver o quadro). Em apenas quatro décadas, ocorre um salto de seis vezes na produção de grãos, com um dado adicional: essa expansão espetacular se dá por triplicação da produtividade por hectare, poupando a incorporação de áreas de cobertura nativa.


Esse avanço histórico da agropecuária “científica” ocorreu em virtude daquela oportuna conjunção de convicções e acasos. Se a acumulação de conhecimentos sobre técnicas modernas de produção tivesse ocorrido sem a liberalização dos mercados de produtos e insumos, a revolução produtiva teria falhado. Do mesmo modo, se houvessem faltado investimentos na pesquisa e no capital humano, de quase nada adiantaria ter mercados liberados de controles, porque tardaria a adaptação de novas variedades aos trópicos, e práticas revolucionárias como a do plantio direto e outras técnicas de “virada de jogo”, todas essenciais à revolução verde brasileira. Como acaso feliz, ocorreu a abertura do comércio mundial que turbinou o agro brasileiro. Sem esse empurrão de fora, sem um novo mercado do tamanho da China, o agronegócio brasileiro seria mera sombra do atual.


Quais as lições a serem aprendidas? Primeiro: erros e acertos são movidos, sim, por convicções. Crenças econômicas incorretas destroem oportunidades. Teses corretas produzem viradas de sucesso. Segundo: condições externas favoráveis são essenciais para o sucesso de qualquer modelo de produção. A propósito, a maré internacional acaba de virar para o lado negativo com a apostasia antiliberal do Sr. Trump. No momento, estamos até favorecidos pela preferência da China. Mas também estamos cada vez mais vulneráveis ao humor dos governantes em Pequim. Em bom português, estamos debaixo da mão do urso chinês. Ele pode nos afagar ou nos esmagar.


O outro aprendizado é sobre os fatores internos de sucesso da tropicultura nacional. A onda de acumulação de conhecimentos e pesquisas agrícolas está em baixa. A Embrapa sofre com a falta de meios financeiros e técnicos. Enquanto isso, a liberdade dos mercados agrícolas, tanto aqui quanto exterior, se acha ameaçada por barreiras externas, como as tarifas trumpistas e várias restrições não-tarifárias aos nossos produtos.


Do alto do seu estrondoso sucesso, como uma conquista do Everest, a tropicultura brasileira se vê ameaçada pelo enfraquecimento das convicções públicas que ainda a sustentam. O agro brasileiro chegou ao topo. Mas os riscos de chegar tão alto são maiores agora do que quando perambulava nas baixas altitudes. 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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