Paulo Rabello de Castro
Paulo Rabello De Castro
COLUNISTAS

Sobre líderes e suas agendas

É o tecido moral da nação que precisa ser emendado, e a vontade coletiva que precisa ser reconstruída

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Nem tudo que brilha é ouro, diz o velho ditado, assim como nem todo poderoso num cargo público é líder dos cidadãos que o elegeram. Todo líder tem alguma qualidade de “profeta”, pois é ele que “anuncia o futuro por meio da palavra”. Mas, distintamente dos profetas históricos, de barbas longas e vestes rotas, dos líderes modernos se espera que anunciem o futuro e, de algum modo, o implantem, por meio de ações que envolvem uma agenda clara de governo e uma equipe capaz de realizar o programa pelo qual o líder foi escolhido. 

 

Por esse prisma e com essa definição restritiva sobre o que é ser um líder no mundo atual, poucos são os governantes que hoje preenchem tal definição (ver gráfico abaixo). Boa parte dos governantes age na categoria de gestor público, o que é suficiente para as comunidades locais, que deles esperam a manutenção da boa ordem dos serviços comuns, da segurança comunitária e dos investimentos de interesse geral.

 

 

Outra parte ocupa cargos só para se servir e a seu grupo político. Não são gestores, muito menos líderes. Uma pequena parte se apresenta como líderes verdadeiros. Lançam-se na vida pública atrelados a uma profecia, uma promessa de futuro a ser alcançada pelo coletivo dos eleitores. Para falar de casos recentes, observamos a liderança exercida por Donald Trump, cujo boné profetiza uma América grandiosa de novo.

Como toda profecia, há uma parte da mensagem que permanece “escondida”, enquanto, na superfície, se revela inteira, como atração e inspiração. Assim, na frase “vamos fazer a América grande novamente”, Trump expõe a promessa da grandeza coletiva que entusiasma os corações, ficando em segundo plano uma revelação dolorosa que, no caso, está no advérbio “novamente”. Esse advérbio é a constatação-denúncia de que a América já teria perdido sua grandeza. Daí a promessa de resgatar o que foi perdido.

Poucos americanos admitiriam que sua América não é “grande”. Mas, estão, quase todos, dispostos ao resgate daquilo que não admitem, conscientemente, já haver perdido. Segue-se a agenda do resgate, que é a fase mais delicada, na qual o líder-profeta precisa se materializar em líder-gestor de uma agenda prática e compatível com sua visão do prometido futuro. Trump está nessa fase dura e perigosa em que cada movimento nos tabuleiros doméstico e externo conta a favor ou contra o sucesso de sua empreitada, de prazo bem limitado. 

 

Outro líder da hora, o economista Javier Milei, presidente da Argentina, clamou na eleição “por la libertad, carajo!”. A caminho do seu segundo ano de mandato, com reformas econômicas aprovadas pelo Congresso argentino e medidas que estabilizaram o peso, Milei já mostrou ser possível conviver com relativo equilíbrio de gastos. A profecia de Milei por alcançar liberdade para seu país também contém uma mensagem clara, que é a promessa de liberar a economia de amarras históricas, inspirar o empresário a voltar a confiar e devolver reservas em dólar para o depenado cofre do Tesouro.

Mas, segue escondida a outra parte da mensagem, que está na pergunta: liberar a Argentina do domínio de quem, afinal? Onde estaria o inimigo a ser combatido, senão no próprio povo, anestesiado por décadas num assistencialismo sem limites em que o andar de cima se serve primeiro e, em seguida, todos entram na fila por mais um benefício, um subsídio, cuja soma evidentemente não cabe num orçamento equilibrado e só pode ser equacionada mediante uma mentira em espiral, que é a hiperinflação do peso e a consequente devastação das reservas do país. Aqui, também, o profeta portenho vive seu momento mais delicado com bons resultados visíveis – que ganham elogios estrangeiros – mas com a dúvida silenciosa dos argentinos, cuja memória histórica ainda não lhes permite enxergar a prometida “liberdade”.

Nos EUA, Donald Trump corre contra o relógio da política e arrisca não conseguir concluir seu percurso nos três anos que ainda lhe restam. Todo governo, em democracias, já começa terminando. A vasta agenda trumpista de fazer a América grande, com milhões de empregos criados, com uma máquina pública azeitada e eficiente (sonho que Elon Musk abandonou na largada) e um país liberado do suposto peso da imigração ilegal – enfim, uma América “operosa, limpa e rica” – parece bater contra a parede dos adversários ideológicos da nação americana, cujos encastelados líderes (um Putin, um Xi-Jinping) dispõem do tempo extra que só autocracias conferem a seus governantes. De igual limitação sofre Milei na Argentina. 

 

Para saber onde estamos no Brasil, como país, nesse universo de profetas, gestores pragmáticos e políticos de autosserviço, não há por que pesquisar muito a fundo. No plano federal, temos tido apenas governantes de frases feitas, indispostos com a mera noção de uma boa gestão pública. Falo com franqueza dos dois últimos ocupantes, sendo o atual incapaz até de promover com sucesso uma reunião de colegas líderes, a exemplo do que foi a catastrófica conclusão do Brics no Rio de Janeiro e já ameaça ser o encontro das “camas-beliche” da COP30, em Belém.

São administrações federais destituídas de qualquer mensagem pelo lado da profecia, e zero de resultado na gestão do dia-a-dia. Portanto, não é à toa que as recentes pesquisas eleitorais no Brasil mostram eleitores à procura de um nome capaz de, pelo menos, preencher o vazio da boa gestão dos interesses públicos e, quem sabe, mostrar uma mensagem de superação da pasmaceira reinante do país do patropi. Nomes são buscados na atual safra de governantes estaduais, alguns dos quais têm até uma farta lista de realizações a mostrar, além de demonstrada capacidade de sobreviver à máquina de “desmoralizar profetas” que é a política brasileira.

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Nomes como Ratinho Junior (PSD-PR), Tarcísio Freitas (Republicanos-SP) e Ronaldo Caiado (União-GO) são lembrados, assim como os de Romeu Zema (Novo-MG), Mauro Mendes (União-MT) e Eduardo Leite (PSD-RS). É uma nova geração a ser testada que, em tudo, oferece vantagem potencial sobre a certeza da mediocridade. Mas, qual a qualidade da profecia de cada um desses candidatos? A que se dispõem eles em termos de agendas e quanto estão dispostos a sacrificar de si pela missão de fazer atravessar seu povo pelo grande deserto da dúvida e da negação de futuro?

A próxima missão no Brasil não será apenas a de reformar a administração ou reequilibrar o orçamento. É o tecido moral da nação que precisa ser emendado, e a vontade coletiva do país que precisa ser reconstruída, não somente com uma mensagem voltada ao coletivo de 200 milhões de brasileiros, mas a cada um desses 200 milhões, individualmente. Para tanto, mais que profetas, procuram-se gigantes.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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