Decreto do presidente Lula fez alterações na cesta básica -  (crédito: EVARISTO SÁ/AFP)

Decreto do presidente Lula fez alterações na cesta básica

crédito: EVARISTO SÁ/AFP


A reforma tributária do consumo, promulgada no fim de 2023 por meio da Emenda Constitucional 132, ampliou de modo substancial o conceito de cesta de alimentos ao criar uma Cesta Básica Nacional de Alimentos (CBNA), dotada de três atributos: 1) prover segurança alimentar; 2) ser regionalmente diversificada; e 3) ser saudável e nutritiva. Em resumo, o comando inscrito no art.8º da Emenda mudou a cesta básica em sua essência, tornando-a AMPLA, SANA E SEGURA. O que antes era uma cesta mínima de uma “família trabalhadora”, passou a ser o conjunto de TODOS OS ALIMENTOS SAUDÁVEIS, PARA TODOS OS BRASILEIROS.

 



A nova cesta CBNA não será apenas uma cesta mínima, consumida por cidadãos carentes. A CBNA agora é definida para famílias de classe média e, por que não, também para os “ricos”, cuja saúde alimentar interessa aos objetivos da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN, 1999). A emenda, nos seus artigos, não distingue “ricos” de “pobres”. Todos têm o poder-dever de comer de modo saudável e nutritivo. Para tanto, o Congresso decretou, no artigo 8º, que nenhum tributo será cobrado sobre os alimentos da CBNA, cuja lista será ampla e irrestrita.



E os demais alimentos, aqueles mais ricos em gorduras ou sódio, qual tratamento tributário terão na reforma? A Emenda 132 também cuidou disso, no seu artigo 9º, ao determinar que os alimentos não constantes da lista da CBNA, terão redução de 60% sobre o tributo-padrão de 26,5%. Estes, portanto, pagarão um tributo combinado (IBS+CBS) na faixa dos 11%. A nova estrutura tributária dos alimentos promoverá verdadeira revolução de saúde alimentar no nosso país. Ao reduzir a ZERO a carga atual de tributos na CBNA e ao limitar a alíquota daqueles fora da nova cesta, a reforma diminuirá pela metade a carga de impostos atual (de cerca de 9 para 4,5%).

 



Com isso, se produzirá poderoso incentivo para que famílias pobres e de classe média (quase 90% do gasto nacional) se alimentem mais, com preços mais acessíveis, e também melhor, pois a isenção tributária recairá sobre a lista de itens mais saudáveis. Haverá redução da vulnerabilidade alimentar e das enfermidades (inclusive a obesidade) associadas à alimentação deficiente e desbalanceada.



Finalmente, então, uma boa notícia? Não ainda. Eis que essa nova cesta CBNA é agora ameaçada pela visão arrecadadora dos técnicos do Ministério da Fazenda, que cogitam enxugar a um mínimo a lista livre de impostos, jogando quase metade dos alimentos na alíquota máxima de 26,5%, em oposição à Emenda 132 e ao decreto do presidente Lula sobre a matéria. No Projeto de Lei 68, proposto pelo técnico Bernard Appy ao grupo de trabalho da Câmara, que elabora a regulamentação da reforma, os especialistas em supertaxação insistem em ignorar a diferença entre um vidro de perfume ou cosmético e um saco de feijão ou um quilo de carne.



Ao desconsiderar as diferentes naturezas de bens e serviços, a Fazenda só faz contas de quanto o Tesouro “perderá” com a ampliação do tratamento amenizado à tributação de alimentos, amenização esta, aliás, praticada em quase 200 países. Na marra, os pilotos de planilha querem reescrever a Carta Magna, em vez de regulamentar o que lá está escrito e definido. Para amparar essa insistência descabida, a Fazenda argumenta que prefereria dar aos inscritos no CadUnico uma devolução em dinheiro, compensando um décimo da população consumidora pela sobretaxação geral dos alimentos. A Fazenda, perturbada pelo nível do déficit fiscal, encontrou nos consumidores a fonte de onde pretende sacar cerca de R$ 70 bilhões extras para fechar a conta fiscal.

 



A proposta fazendária deveria envergonhar seus propositores. A atual carga tributária sobre alimentos, hoje na faixa dos 9%, pularia para 14%, um salto de mais de cinquenta por cento, elevando os preços de todos os alimentos fora da CBNA, cuja lista ficaria restrita a carboidratos e gorduras, excluindo as principais fontes de proteínas, como as carnes e peixes.



A proposta da Fazenda é um atentado à saúde e ao bom senso coletivos. Se adotada, representaria um retrocesso grave à segurança alimentar, e à Constituição, por adulterar a letra da Emenda 132. A carga tributária dos alimentos precisa baixar, e não subir, como pretendem os pilotos de planilha. O consumidor brasileiro pagará zero de imposto na CBNA, mas sabe que pagará um elevado tributo sobre os demais bens e serviços que consome. A carga tributária, no seu conjunto, não cairá. Utilizando a Base Nacional de Vendas, informação da Associação  Brasileira de Supermercados (Abras), é possível  mostrar que a atual faixa tributária média do que se compra no grande varejo nacional, cerca de 12% sobre o faturamento total dos supermercados, permanecerá ESTÁVEL, entre 12 e 13%, desde que adotada a lista ampla de alimentos da CBNA, conforme proposto pelo setor produtivo.



Manter a carga tributária estável sobre o consumo total nos supermercados não é pedir demais. Ruim seria deixar passar a proposta da Fazenda que visa a elevar o tributo médio para 19%, no conjunto das vendas, gerando enorme choque de custos, inflacionário e recessivo, como demonstra estudo recente do IPEA, órgão do governo.

 



O mundo inteiro prioriza a alimentação como segmento isento de impostos, ou muito pouco taxado. O Brasil, ao aprovar a Emenda 132, caminhou na direção de aliviar a taxação de alimentos e elevar a segurança alimentar do país. Uma proposta estabanada da Fazenda, na contramão do senso comum, não pode agora querer roubar dos brasileiros a chance de, finalmente, ter comida accessível para todos, logo num país que se jacta de ser “celeiro do mundo”.