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Há anos que as agruras da Organização das Nações Unidas (ONU) vêm sendo expostas em praça pública ao redor do mundo. No ano em que completa oitenta anos – mesmo tempo que nos separa do final da Segunda Guerra Mundial –, a ONU está cada vez mais desorganizada, desunida e fraca.
Nem a COVID ensinou nada à ONU, que ainda insiste em passar mais tempo em gigantescas e caríssimas reuniões presenciais para impressionar e parecer dedicada. Visibilidade sem produtividade acirra a pressão dos não convidados para participar ou pelo menos, também, serem vistos.
Quem não se sente representado pelos delegados oficiais escolhidos – pessoas, organizações privadas, líderes ou governos avessos ao tema – boicotam de alguma forma e escancaram a inadequada engrenagem que é imaginar decisões consensuais em um mundo de cabeça para baixo como o de hoje.
São convincentes as hipóteses de que o descaso para com a ONU tem justamente a ver com essa distância cada vez maior que a humanidade está da experiência de uma guerra mundial. Afinal, somente aqueles com idades próximas ou superiores a noventa anos guardam na memória o que é uma guerra mundial. Enquanto isso, a volumosa geração que nasceu imediatamente após a guerra, conhecida como “baby boomers” – praticamente todos os governantes atuais – ainda está em conflito sobre os contornos do mundo que buscam deixar para as gerações futuras.
Além de ser a mais volumosa, a geração de “baby boomers” é particularmente bem-sucedida em inúmeros aspectos. Em termos de governança global, o que seus pais e avós deixaram para os “boomers” foi, em grande parte, um sistema organizado em torno da ONU, com um Conselho de Segurança superpoderoso no centro de seu comando. Na prática, mandam ali os cinco países com poder de veto, com os Estados Unidos sempre à frente, propagandeando liderar um mundo livre, mesmo quando perseguem ou sabotam agentes que, ou buscam a liberdade, ou não a ameaçam.
Mais na prática ainda, nas décadas que se seguiram a 1945, os “boomers” herdaram de seus pais um mundo dividido em três gestões: uma primeira, realizada pela tríade representada pela soma do mundo anglo-saxão, mais a Europa Ocidental e o Japão, a qual eventualmente se organizou no G7; uma segunda, composta por países que viviam entre receber ordens de Moscou e viver às turras com a capital soviética, com a qual compartilhavam o sistema de governo baseado em um partido único — às vezes mais, às vezes menos centralizado em torno de uma liderança ditatorial; e, por fim, havia o chamado Terceiro Mundo, onde, desde o romanceado 007 até os agentes de carne e osso que se julgavam civilizados em casa, todos tinham licença para matar em nome de qualquer desculpa esfarrapada.
Eventualmente, Pequim passou a ocupar seu assento no Conselho de Segurança e vinculou seu crescimento econômico ao dos países do G7, e o Segundo Mundo, por essas e outras razões, ruiu. Restaram apenas países desenvolvidos e países em desenvolvimento, ou ricos e pobres, no mundo em que os “boomers” passaram a mandar e desmandar.
Os mais poderosos entre aqueles nascidos dentro dos cerca de dezoito anos contados a partir de 1946 nunca reformaram a ONU. Muito pelo contrário: nos anos 1990, adicionaram ao seu sistema a OMC, que havia ficado de fora em 1945; instrumentalizaram o FMI e o Banco Mundial, produzindo um estranho misto de conformidade e irritação onde se metiam; e levaram o Conselho de Segurança a praticamente deixar de funcionar, com o uso dos vetos cada vez mais banalizado.
O fato é que o órgão central da ONU deixou de ser usado para consultas consequentes e, hoje, é simplesmente desprezado. A OMC também já não funciona, e o FMI e o Banco Mundial são uma sombra canhestra do que já foram. É esse contexto que se leva sempre a breca tanto a COP30, ocorrendo em Belém do Pará, e todas as Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que a precederam.
Em termos de governança global, essa era das “nações desunidas” dá origem a um déficit de liderança mundial envelopado em diferentes formas. A badalada consultoria Eurasia, por exemplo, popularizou tal estrutura mambembe chamando-a de G-Zero, uma era em que nenhuma potência, nem grupo de potências, está disposta e ao mesmo tempo é capaz de conduzir uma agenda global e manter a ordem internacional. O Direito Internacional é rasgado e desprezado em praça pública para todo lado e ninguém se mexe.
Não adianta mais querer saber quem é culpado. Todos são culpados. Guerra, poluição, miséria e corrupção são as principais dores e temores das nações. Sem princípios a humanidade fracassa e nações, por não terem atitude, distraem o povo fazendo leis que não cumprem.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
