
Entre escrever e expressar
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Quis escrever uma carta a mão. Há muito não o fazia e achei que aquele caso em especial merecia papel branco e caneta esferográfica. Algo mais pessoal, afetivamente dirigido a alguém em específico. Nada massificado, impresso com a impressão de que foi reproduzido em infinitas cópias.
Mas escrever, o ato ou efeito de fazê-lo a próprio punho, não se mostrou muito fácil. Peguei o celular e redigi no bloco de notas. Parece que o cérebro se acostumou ao ritmo acelerado imposto pelo teclado, assim como com a sequência de suas letras, bem diferente da ordem do abecedário. O fiz no mesmo espaço onde diariamente anoto meus afazeres da semana, como se fosse apenas mais uma das tarefas a cumprir. Depois, seguiu-se a operação de copiar e, consequentemente, expressar.
Começo com capricho na letra, mas o punho não demora a cansar e o garrancho, tão presente na minha vida de colégio, logo tomou forma. Desacostumei a escrever a mão aquilo que vai além dos bilhetes do tipo “já volto”. Ri daquilo me lembrando da tortura a qual fui submetida inúmeras vezes na infância: o infame caderno de caligrafia que pouco ou quase nada adiantou no meu caso. Dediquei muito tempo entre o escrever bem redondo, apenas quando dentro daquelas linhas milimetricamente distantes umas das outras, uma espécie de castigo, e ser livre, avançando os limites das linhas dos cadernos feitos para “os normais”.
Que letra feia menina! E daí se dava pra entender o que escrevia? Resisti, como todo jornalista criado antes da era da informática. Cada um criava seu método taquigráfico. O que importava era não deixar escapar nenhuma frase imprescindível.
Mas enfim é sempre sobre o conteúdo mais importante. Invejo os amigos de meu filho que vive nos Estados Unidos no quesito escrever cartas afetivas. A porta da geladeira dele tem sempre um cartão novo, preenchido com garranchos ou letras bonitas, cheio de palavras que dizem alguma coisa de fato, do tipo que importa ser dito e escrito. Quando atravessam momentos difíceis, de dores dilacerantes, por debaixo da porta surgem envelopes capazes de recarregar a vida de esperança. Sempre escritos a mão, com canetas além das esferográficas preta e azul. Daquele tipo que vale a pena guardar numa caixa no fundo do armário à espera de ser vasculhada quando desponta saudade do passado. Disso sinto falta.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.