Patrícia Espírito Santo
Patrícia Espírito Santo
PATRÍCIA ESPÍRITO SANTO

O preço da liberdade (Parte 2)

Acima de toda e qualquer orientação sexual existem pessoas maravilhosas que sofrem por não se enquadrarem em rótulos normativos

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Domingo passado, falei aqui sobre minha inquietação sobre a forma que a comunidade LGBTQIAPN+ vive em alguns países do continente africano, em especial em Madagascar. Estou trabalhando na coleta de depoimentos para transformar histórias reais em um livro e alertar para a necessidade de enxergarmos os considerados diferentes com a dignidade que todos merecem. Acima de toda e qualquer orientação sexual existem pessoas maravilhosas que sofrem por não se enquadrarem em rótulos normativos.

 


Na sequência de minha viagem, de Madagascar fui parar no Malawi onde tenho vários amigos da comunidade LGBTQIAPN+. No Campo de Refugiados de Dzaleka, me encontrei com um deles, personagens de meu livro “Há um lugar para mim na casa do meu pai”, Autêntica Editora. Pastor evangélico gay, Olivier está trabalhando com psicologia bem perto da pequena casa de barro onde mora. Fez questão de me tranquilizar dizendo que estava bem porque todos os dias tinha o que comer.


“E a violência?”, perguntei. “Saio do trabalho e corro para casa. Mantenho porta e janela sempre fechadas e pago algumas crianças para buscar para mim água no posto artesiano. Do lado de fora, sou muito maltratado”, me explicou algo que não era novidade para mim.


Sentada no chão no canto de seu abrigo, degustei as duas mexericas que ele me ofereceu e me comprometi a pagar a construção de um muro capaz de isolá-lo dos insultos dos vizinhos. Irônico uma fortaleza, que a princípio separa e aprisiona, servir para libertar. Por trás do muro, Olivier poderá manter a minúscula janela aberta, assim como se sentar ao sol ou apreciar as estrelas no céu nos momentos de folga.


Em outro momento conheci uma menina de 14 anos que se identifica com tudo o que está socialmente relacionado aos meninos. Domina a bola como ninguém, sonha em ser uma grande jogadora de futebol. Até pouco tempo atrás, era aceita na quadra junto com os meninos, mas agora só lhe resta jogar num canto com as desavisadas mais interessadas em brincar.

Foi expulsa da escola há três anos não porque a dívida do pai estava impagável, mas principalmente porque se recusou a vestir o uniforme feminino. O pai não protestou junto à direção da escola. Afinal, o futuro dela estava se tornando muito obscuro. Sem aparência de mulher, uma filha com estudo torna mais difícil conseguir um bom dote quando chega a hora de se casar.


Passei duas noites em claro e decidi fazer uma proposta a ela e aos pais. Em troca de um salário-mínimo mensal em forma de alimento, eles permitirão que ela estude e treine futebol e fique mais próxima do time oficial, o dos meninos. 

A fome que assola aquela família de 11 pessoas os forçou a aceitar minha oferta e a perceber que a menina que até então era motivo de vergonha, sempre renegada e rejeitada, passaria a ser a mantenedora de todos eles. A princípio me senti incomodada por impor condições para ajudar alguém a ter o que comer e a estudar, mas tenho aprendido que devemos dar ao dinheiro o valor que lhe é inerente. Sim, comprei o diretivo de influenciar o futuro dela em favor de todos eles. Quero que ela sinta orgulho de quem é, em vez de permanecer olhando para o chão enquanto luta para sustentar seus ideais.


Desde então essas experiências, somadas a outras que venho colhendo, estão me convidando a lutar para fazer algo que possa auxiliar a comunidade LGBTQIAPN+ que vive no entorno dos projetos nos quais atuo. Trabalho lento, silencioso e aparentemente de abrangência restrita, mas promissor. Espero e acredito que outros se unirão a esse propósito que não é só meu, por mais específico que possa parecer.

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As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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