Lula corre atrás do prejuízo depois de megaoperação
Cláudio Castro apresentou-se como um governador "em guerra", cercado por armas e cadáveres, e retratou sua ação como defesa do "povo abandonado pelo estado"
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A megaoperação policial realizada pelo governo do Rio de Janeiro, sob comando de Cláudio Castro, expôs o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma das situações políticas mais delicadas de seu terceiro mandato. Retornando da Malásia, onde havia participado de uma cúpula diplomática e se reunido com Donald Trump, Lula foi surpreendido por uma operação que resultou em mais de 120 mortos – o maior número da história do país – e reacendeu a tensão entre o discurso federal de respeito aos direitos humanos e a escalada de combate ao “narcoterrorismo” defendida por governos estaduais e forças de segurança pública.
O governador fluminense não apenas conduziu uma operação de grande envergadura militar, mas transformou-a em ato político. A reunião de governadores da oposição no Rio de Janeiro, ontem, sinaliza que a pauta da segurança pública, sensível e popular, foi apropriada pela oposição como eixo de confronto direto com o governo federal. A proposta de tratar facções como o Comando Vermelho e o PCC como organizações terroristas reforça essa guinada discursiva, buscando ocupar o espaço deixado pela ausência de protagonismo federal na área.
Cláudio Castro apresentou-se como um governador “em guerra”, cercado por armas e cadáveres, e retratou sua ação como defesa do “povo abandonado pelo estado”. Sua retórica, “ou soma, ou suma”, não foi casual: traça uma fronteira entre os que combatem o crime e os que, em nome dos direitos humanos, supostamente seriam coniventes com ele. A narrativa foi absorvida por governadores do eixo Sul-Sudeste que enxergam na crise fluminense uma vitrine eleitoral e uma trincheira ideológica.
Surpreendido e, sem instrumentos de coordenação imediata, Lula reagiu apenas dois dias depois, sancionando uma lei de endurecimento penal de autoria do senador Sérgio Moro (União-PR), o ex-juiz da Lava-Jato que o condenou à prisão. A medida cria os crimes de “obstrução de ações contra o crime organizado” e “conspiração para obstrução” e foi publicada no Diário Oficial ontem, quando poderia ter sido sancionada antes da viagem de Lula.
Adversário direto de Moro, símbolo da Operação Lava-Jato, Lula foi pragmático. Entretanto, o Palácio do Planalto corre atrás do prejuízo, tenta recuperar espaço diante de uma agenda que foi capturada pela oposição. Lula e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, foram coadjuvantes de um episódio que mobilizou a mídia internacional, dividiu o país e colocou o tema da segurança de volta ao centro da disputa político-ideológica.
Desde 2003, Lula tenta equilibrar uma visão social de segurança – baseada em prevenção, cidadania e inclusão – com a pressão por medidas repressivas. A operação no Rio, porém, impôs uma saia justa: diante da imagem de 120 mortos, o presidente precisava escolher entre condenar o método ou reconhecer a gravidade do inimigo. Optou por uma resposta ambígua: “Precisamos atingir a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco.” Tenta conciliar duas agendas que se opõem: a humanista e a militarizada.
Protagonismo
O problema é que, no plano político, o discurso da ponderação raramente vence o da força quando o narcotráfico é um fator catalizador das opiniões. A exibição de armas e cadáveres valoriza quem demonstra ter o controle, no caso, Cláudio Castro. Diante da hesitação de Lula o governador fluminense emergiu como “homem da ação”, enquanto o presidente parecia distante do problema.
A operação foi duramente criticada pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU e por organizações brasileiras, que a classificaram como “chacina de Estado”. A ausência de informações sobre as câmeras corporais, a adoção do “muro do Bope” e a alta letalidade colocam o Brasil sob escrutínio internacional.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
