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Nos meios sindicais, a expressão “chumbo trocado não dói” é um jargão que sinaliza a disposição de diálogo depois de uma acirrada disputa entre as partes. No Congresso, onde não existe o interesse comum classista, não é bem assim que coisa funciona: dói e deixa ressentimentos que vão comprometer os entendimentos entre as partes e gerar desconfianças insuperáveis.
É mais ou menos o que aconteceu entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que derrubou o decreto que aumentava as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e submeteu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma derrota acachapante no Congresso.
A ruptura entre Haddad e Motta, que conversavam bastante, ocorreu depois de uma reunião do grupo Prerrogativas, na qual o ministro participou e teria chamado o presidente da Câmara de infantil. Haddad nega, mas a intriga já estava feita e Motta passou a não atender ligações do petista. Com o rompimento do acordo entre os dois sobre a aprovação do IOF, veio a derrota humilhante imposta ao governo. A votação desnudou a fraqueza da base de Lula na Câmara e mostrou que o Palácio do Planalto também já não pode confiar no Senado. O dono da bola é o Centrão.
Parecia um xeque-mate no presidente Lula, mas a guerra é sempre um risco. “Numa batalha, não encurrale o inimigo. Deixe sempre uma saída. Senão, não restará alternativa a não ser lutar pela própria vida. Então, cada soldado inimigo valerá por dez dos seus”, dizia o lendário general chinês Sun Tzu, em "A Arte da Guerra (Garnier). Foi o que aconteceu. O PT reagiu com a sua velha “cultura do rechaço”. Uma campanha de memes e vídeos viralizou e demonizou Motta.
Político jovem, com base eleitoral num velho reduto eleitoral familiar do interior da Paraíba, o presidente da Câmara foi eleito quase por unanimidade, apenas o Novo e o Psol não o apoiaram. Entretanto, é um político de bastidor, articulador do baixo clero, que nunca havia passado por uma situação de hiperexposição numa disputa política nacional aberta, ainda mais contra um presidente da República com o carisma de Lula.
Numa semana de chumbo trocado entre o governo e a oposição nas redes sociais, Motta virou marisco. Segundo análise da Ativaweb, que monitora redes sociais, se tornou o símbolo dos privilégios institucionais e da desconexão com o sentimento popular. Foram analisadas 2.567.934 de interações públicas nas redes, com base no Facebook, Instagram, X (Twitter) e TikTok, nas quais houve uma indignação transversal que uniu direita, esquerda e, principalmente, usuários sem filiação política contra o Congresso.
Pelourinho
Vídeos com estética popular e narrativa de exploração de pobres pelos ricos viralizaram. Motta foi associado aos privilégios e gastos excessivos. A maioria dos perfis era de cidadãos sem identidade partidária, mas identificados com temas como justiça social e custo de vida. A análise semântica revelou a associação de sua imagem a expressões como “inimigo do povo”, “amigo dos ricos”, Eduardo Cunha 2.0”, “mamata 2.0”, “vergonha nacional”, “quem paga é o povo”, “quer mais deputados pra mamar”.
Foram 68% de menções emocionais que revelavam sentimentos como raiva, indignação e ironia; 22%, críticas racionais, com argumentos, dados e justificativas; e apenas 10% neutros ou informativos. Um desastre imagético para Motta, que tem muito poder, porém, não teve musculatura para enfrentar um adversário carismático e cascudo como Lula, que já disputou sete campanhas presidenciais.
Nos bastidores de Brasília, sabe-se que uma das razões da tensão no Congresso são as investigações da Polícia Federal sobre desvios de recursos de emendas parlamentares, principalmente as emendas do chamado orçamento secreto, que envolvem dezenas de deputados. Isso cria um ambiente da animosidade. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, responsável pela regulamentação da execução das emendas e por algumas dessas investigações, foi indicado pelo presidente Lula.
Entretanto, foi no Supremo que apareceu uma luz no fim do túnel para o impasse do IOF: a decisão salomônica do ministro Alexandre de Moraes, que sustou tanto o decreto de Lula, por desvio de finalidade, quanto a decisão do Congresso, por invasão de competência do Executivo, abriu caminho para uma negociação. Moraes convocou uma audiência de conciliação para o dia 15 de julho.
Moraes reconheceu que o Congresso extrapolou ao manter a desoneração sem indicar fonte de compensação, o que viola a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Emenda Constitucional 109/2021 (do “novo regime fiscal”), isso deu legitimidade à iniciativa do Executivo de buscar compensação via aumento do IOF. Embora reconheça a iniciativa do Executivo válida, Moraes entendeu que o Congresso também tem legitimidade para sustar atos do Executivo, como fez ao derrubar o decreto que aumentava o IOF. Por isso, o aumento do IOF valeu entre a edição do decreto e a derrubada pelo Congresso. Ou seja, não houve anulação retroativa, o que preserva a arrecadação feita no período.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.