Ministra Marina Silva alerta para risco de desaparecimento do Pantanal até o fim deste século -  (crédito: EVARISTO SÁ/AFP)

Ministra Marina Silva alerta para risco de desaparecimento do Pantanal até o fim deste século

crédito: EVARISTO SÁ/AFP


“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão. Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.”



“Vidas Secas“ (Editora Record), romance de Graciliano Ramos, publicado em 1938, de 176 páginas, é uma obra-prima da literatura brasileira. Retrata a vida miserável de Fabiano e sua família de retirantes sertanejos obrigada a se deslocar de tempos em tempos para áreas menos castigadas pela seca. São cenas que parecem distantes, principalmente depois de o canal do Rio São Francisco irrigar boa parte do semiárido do Nordeste, mas que podem se repetir em regiões inimagináveis, como os igarapés e várzeas da Amazônia e áreas alagadas do Pantanal, castigadas pela seca e em risco de desertificação.

 



Segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), o país enfrenta a maior seca desde 1950, com exceção do Rio Grande do Sul. Nas últimas semanas, muitas cidades ficaram encobertas pela fumaça, entre as quais Brasília e São Paulo, com origem em incêndios florestais na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.



Nesta semana, cerca de 244 cidades brasileiras registraram clima igual ao do Saara, que varia de 14% aos 20% de umidade. Como Brasília, cuja seca no inverno é famosa, chegaram a registrar apenas 7% de umidade as cidades de Barretos, Marília e Tupã, em São Paulo; Goiânia, Luziânia e Morrinhos, em Goiás; Parnaíba e Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul; e Itaituba, em Minas Gerais. As altas temperaturas e a fumaça agravam as condições sanitárias. A previsão é de que a situação ainda pode se agravar.



Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), setembro, o último mês do inverno, começou com uma forte onda de calor. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, as máximas chegaram aos 40 graus; no interior de São Paulo e Minas Gerais, as cidades chegaram a 39. Talvez o Brasil seja nesta semana o país mais quente do mundo, o que está diretamente relacionado ao aquecimento global, provocado pelo “efeito estufa”, a emissão de gases que retêm o calor solar na atmosfera terrestre, principalmente dióxido de carbono e gás metano. Zerar o desmatamento é a forma mais barata, eficaz e rápida de conter o aquecimento.

 



Estamos na maior e mais extensa seca já registrada, com muitos lugares sem chuvas há mais de 100 dias, o que provoca a baixa umidade. Muitas cidades estão próximas de alcançar o nível de umidade do deserto do Atacama, no Chile, que é de 5%, o deserto mais seco do mundo. Ontem, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, advertiu que o Pantanal pode deixar de existir até o fim do século. Na audiência com senadores, disse que será preciso ampliar os esforços e recursos de combate a consequências das mudanças climáticas. Propôs ao Congresso criar um marco regulatório de emergência climática, que exclua da meta fiscal do governo federal os recursos gastos nessas condições.



No Congresso, há um negativismo dissimulado em relação ao aquecimento global, para o qual a maioria dos políticos não está nem aí, principalmente nas fronteiras agrícolas e de mineração. Neste ano, o Brasil já registrou o maior número de focos de queimadas desde 2010. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram 68.635 registros. De acordo com o Inpe, mais de 80% desses focos ocorreram na Amazônia e no Cerrado. Muitos são provocados pela seca, mas há também atividades criminosas.



Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), ontem, a Hidrelétrica de Santo Antônio precisou paralisar parte das unidades geradoras em razão da seca extrema do rio Madeira, em Rondônia, e está funcionando com apenas 14% das turbinas. O rio chegou ao menor nível já observado em quase 60 anos, atingindo 1,02 metro. A região amazônica enfrenta um período de seca extrema. Oceano Atlântico Norte mais aquecido que o normal e mais quente que o Atlântico Sul, e o fenômeno El Niño inibem a formação de chuvas. Com 3 mil quilômetros, o rio Madeira abriga duas das maiores usinas hidrelétricas do Brasil: Jirau e Santo Antônio, que geram energia para todo o país.