Gravações apertam o cerco sobre Jair Bolsonaro e Alexandre Ramagem -  (crédito: PABLO PORCIÚNCULA/AFP)

Gravações apertam o cerco sobre Jair Bolsonaro e Alexandre Ramagem

crédito: PABLO PORCIÚNCULA/AFP


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, ao derrubar o sigilo do inquérito sobre a “Abin paralela”, que investiga atuação do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), delegado federal, quando à frente dos serviços de inteligência do governo passado, aperta o cerco contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é um dos arrolados.

 

Nas gravações de uma reunião entre ambos, da qual participaram o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno e duas advogadas, fica evidente a intenção de abafar o escândalo das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no qual estava envolvido o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), deputado estadual à época do escândalo.  O general Heleno chega a chamar a atenção de que a conversa não poderia ter vazamentos.



Segundo a Polícia Federal, o objetivo da reunião -- gravada por Ramagem, supostamente com conhecimento de Bolsonaro – seria anular as provas do escândalo das “rachadinhas”, com o argumento de que o caso era uma “árvore envenenada” por operação ilegal na Receita Federal, a tese de defesa das advogadas do senador. Foi o que acabou acontecendo: em 2022, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitou o pedido do Ministério Público e rejeitou a denúncia de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro contra o parlamentar.

 



Desde  2020, o filho mais velho do presidente era acusado de recolher parte do salário de funcionários públicos em benefício próprio, no seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, onde foi deputado estadual de 2003 a 2019. O policial militar aposentado Fabrício Queiroz, que foi chefe de gabinete de Flávio, foi apontado como operador do esquema. Após ser preso, reconheceu a existência dessa prática. Mais15 ex-assessores foram denunciados.



Em 2018, um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras  (Coaf) já havia apontado uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta do ex-assessor Fabrício Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, com depósitos e saques em dinheiro vivo, em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia. A quebra de sigilo fiscal de Queiroz e de Márcia Aguiar, sua esposa,  mostrou, ainda, que a então primeira-dama Michelle Bolsonaro recebera depósitos de ambos que totalizavam  R$ 89 mil, entre 2011 e 2016.



À época, Bolsonaro disse que o valor era a devolução de um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a Queiroz. Os dados bancários não comprovam o recebimento desse empréstimo. Bolsonaro já era presidente e Flávio exercia o mandato senador, com direito a foro privilegiado no STF, quando, após recursos, houve o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio  (TJ-RJ) de que, por ter emendado os mandatos de deputado estadual e de senador, Flávio Bolsonaro manteria o foro privilegiado no tribunal estadual.



Reabertura de caso



O caso saiu das mãos do juiz da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro para a jurisdição do Órgão Especial do TJRJ, composto por 25 desembargadores, antes de ser arquivado. Na época, Flávio Bolsonaro classificou a investigação como ilegal. No começo do seu governo, a popularidade de Bolsonaro havia caído e sua base no Congresso era muito frágil. O escândalo das “rachadinhas” gerou muita tensão, porque a oposição tentava articular um pedido de impeachment. Paranoico, Bolsonaro avaliava que o vice, o general Hamilton Mourão, hoje senador gaúcho, desejava seu lugar.



A gravação obtida pela Polícia Federal mostra que reunião que durou uma hora e oito minutos, em 25 de agosto de 2020. No encontro, Ramagem propôs abrir procedimentos administrativos contra os auditores fiscais que investigaram Flávio para anular as provas e Bolsonaro concordou. A estratégia foi bem-sucedida. O arquivamento do inquérito das “rachadinhas” não impede o Ministério Público de reabrir o caso, o que pode ser o desdobramento do inquérito da “ABIN paralela”. As novas provas seriam independentes daquelas que foram declaradas ilícitas.



Ramagem disse à imprensa que gravou a reunião porque havia a desconfiança de que surgiria uma proposta “não-republicana” do então governador Wilson Witzel, que também era visto como conspirador por Bolsonaro. A proposta não se confirmou. Entretanto,  Bolsonaro afirma que o ex-governador fluminense teria prometido ajuda para blindar o senador Flávio Bolsonaro (PL-SP) na investigação das rachadinhas em troca de uma vaga no Supremo.



Bolsonaro diz na gravação: "O ano passado [2019], no meio do ano, encontrei com o [Wilson] Witzel, não tive notícia [inaudível] bem pequenininho o problema. Ele falou, resolve o caso do Flávio. 'Me dá uma vaga no Supremo. […] Sede de poder’”.  Acrescentou: “Então, você sabe o que que vale você ter um ministro irmão teu no Supremo”. Após a revelação de Bolsonaro, as advogadas se surpreendem e Bolsonaro explica que a vaga seria para o juiz Flávio Itabaiana, responsável por julgar a suspeita de rachadinha.