Lucien Newton
Lucien Newton
Com mais de duas décadas de experiência dedicada ao universo das franquias em empresas como Localiza, Maple Bear e Dia Supermercados. e agora, como VP de Consultoria do Ecossistema 300.
FRANCHISING 4.0

A nova onda do franchising global

Como redes de franquias inteligentes, com cultura forte e tecnologia aplicada estão transformando o franchising em um ecossistema vivo, ágil e escalável

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O franchising global atravessa um de seus momentos mais complexos e promissores. Por trás das fachadas de shopping centers e das esquinas de bairro, um novo modelo de rede começa a se consolidar. Ele não se apoia apenas em expansão territorial, mas em inteligência estratégica, governança digital e protagonismo de líderes multifranqueados. Essa mudança não tem o estrondo das grandes rupturas tecnológicas, mas avança com força nos bastidores das marcas mais ágeis do mercado. É a transição para o Franchising 4.0.

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Essa nova fase do franchising não se limita à adoção de ferramentas tecnológicas. Trata-se de uma transformação profunda na lógica de crescimento, na forma como as redes se estruturam e nos perfis que ocupam posições de liderança. O franqueado tradicional, operando uma ou duas unidades em sua cidade, divide espaço com multifranqueados que gerenciam dezenas de operações em diferentes estados ou países. Eles não apenas operam, mas influenciam decisões estratégicas, redesenham processos e estabelecem novas fronteiras para o modelo de negócios. 

Nos mercados mais maduros, como Estados Unidos e Europa, o avanço do franchising já caminha em sintonia com conceitos como “scale through governance” e “data-driven growth”. As redes operam como ecossistemas integrados, combinando padronização com personalização, previsibilidade com agilidade. A tecnologia é apenas uma camada visível dessa transformação. Por trás dela, há redes que investem em cultura organizacional, design de comunidade, arquitetura jurídica e inteligência territorial. O objetivo não é crescer por crescer, mas expandir com propósito, eficiência e profundidade.

Na América Latina e no Brasil, esse movimento ganha contornos próprios. A informalidade que antes predominava nas relações entre franqueador e franqueado cede espaço para estruturas de governança robustas. Cresce o número de multifranqueados com operação em múltiplas marcas.

A lógica da gestão por unidade é substituída por uma gestão em rede, apoiada por indicadores, rituais de performance e sistemas integrados. A cultura empresarial também se transforma. Franqueados passam a desenvolver competências de liderança, formação de times, construção de cultura local e gestão financeira sofisticada.



O que começa a se consolidar é um novo tipo de rede de franquias. Menos hierárquica, mais colaborativa. Menos centrada no franqueador, mais orientada por dados, comunidade e inteligência coletiva. Um sistema vivo, onde o valor emerge não apenas da marca, mas da capacidade de cada elo da rede contribuir para sua evolução.

O Franchising 4.0 é, acima de tudo, um modelo vivo e responsivo. Ele exige redes com estrutura, mas também com adaptabilidade. Líderes capazes de operar com disciplina, sem abrir mão da escuta ativa. Tecnologias que potencializam, mas não substituem, o capital humano. Em um cenário de tantas variáveis e mudanças, as redes que prosperarão serão aquelas que compreendem que escalar não é apenas crescer, mas multiplicar valor com consistência.

A expansão de uma rede de franquias sempre foi considerada um desafio logístico, financeiro e operacional. O que poucas vezes foi dito com clareza é que o verdadeiro motor de crescimento está fora das planilhas: reside na qualidade da governança, na força da cultura e na inteligência aplicada da tecnologia. No Franchising 4.0, esses três pilares se tornam não apenas complementares, mas interdependentes. Nenhuma rede conseguirá escalar com consistência se negligenciar qualquer um deles.

O primeiro deles, a governança, deixou de ser um tema restrito ao universo corporativo tradicional. No franchising contemporâneo, ela se tornou uma engrenagem estratégica. Conselhos consultivos, fóruns permanentes com multifranqueados, regras claras de tomada de decisão, protocolos de transparência e canais formais de escuta já fazem parte da rotina das redes mais maduras. O objetivo não é criar burocracia, mas sustentar a previsibilidade necessária para crescer em múltiplas geografias e formatos. A governança estabelece os limites do campo, sem engessar o jogo.

Esse tipo de estrutura permite que redes descentralizem operações mantendo a centralidade da estratégia. Um franqueado com vinte lojas em três estados pode propor soluções logísticas mais eficientes, antecipar riscos operacionais e criar inovações locais que depois são adotadas por toda a rede. A governança bem desenhada reconhece essa inteligência na ponta e a incorpora ao processo decisório. Em vez de comando unidirecional, o que emerge é uma lógica de rede colaborativa.

A cultura, segundo pilar dessa transformação, deixou de ser um elemento intangível ou "nice to have". Hoje, ela se tornou um diferencial competitivo tão relevante quanto o produto ou a margem. Em redes de franquia, a cultura não é apenas um código de valores; é um sistema de conduta que precisa ser replicado em cada nova unidade, em cada novo colaborador. A cultura define o tipo de liderança que será exercida, a experiência que o cliente terá e a resiliência que a rede apresentará em tempos de crise.

Nesse ponto, empresas que investem em formação contínua, onboarding estruturado e rituais de alinhamento ganham musculatura para crescer. A cultura também é o antídoto para os dilemas da escala. Ao expandir, redes perdem controle direto sobre operações locais. Mas se a cultura for forte e clara, ela opera como um guia silencioso, mantendo coerência sem a necessidade de fiscalização constante.

O terceiro pilar, a tecnologia, é o mais visível, mas talvez o mais mal compreendido. No Franchising 4.0, ela não é um fim, mas um meio. Não basta implementar sistemas robustos ou contratar plataformas caras. A tecnologia só cria valor quando está conectada à estratégia de negócio e quando é usada para reforçar a cultura e sustentar a governança. Sistemas integrados de gestão, analytics preditivo, ferramentas de capacitação gamificada, plataformas de feedback e monitoramento em tempo real são úteis, desde que coloquem o usuário o franqueado, o colaborador, o cliente no centro da solução.

As redes que entendem isso saem na frente. Elas usam dados não apenas para corrigir desvios, mas para antecipar oportunidades. Usam tecnologia não para automatizar o relacionamento com o franqueado, mas para aprofundá-lo. E aplicam ferramentas digitais não como substitutos da liderança, mas como seus aliados na escala.

Nas escolas de negócios de Harvard, INSEAD e Kellogg, o franchising já é estudado sob a ótica da complexidade adaptativa. Trata-se de ecossistemas vivos, em constante iteração, onde a tecnologia só cumpre seu papel quando ajuda a rede a se adaptar mais rápido, decidir com mais clareza e executar com mais precisão. Não se trata mais de ser digital, mas de ser inteligentemente digital.

Na prática, essas redes passam a operar com uma espinha dorsal tecnológica, mas com um coração cultural pulsando forte. A governança garante os contornos. A cultura dá identidade e direção. A tecnologia fornece o alcance e a precisão. É nesse tripé que o Franchising 4.0 encontra sua força: na capacidade de escalar sem perder o senso de pertencimento, e de crescer sem perder a coerência.

A expansão inteligente não é linear. Ela exige ajustes finos, escuta ativa e ciclos curtos de feedback. O que parecia impossível em redes tradicionais como descentralizar sem perder controle, ou expandir sem comprometer a essência torna-se não apenas viável, mas natural quando esses três pilares estão bem alinhados.

Não se trata mais de crescer rápido. Trata-se de crescer certo.

O franchising, historicamente associado à padronização de processos e repetição de modelos, vive hoje um paradoxo estratégico. À medida que se torna mais escalável e tecnologicamente sofisticado, cresce também a exigência por experiências únicas, personalizadas e humanizadas.

Neste novo cenário, redes de franquias enfrentam o desafio de manter coerência operacional enquanto oferecem jornadas individualizadas a seus clientes, parceiros e colaboradores. É nesse ponto de tensão entre escala e singularidade que o Franchising 4.0 encontra sua vocação.

A principal alavanca dessa transformação é a inteligência artificial. Antes restrita a algoritmos de recomendação ou automação de atendimento, a IA agora se torna o cérebro invisível por trás de decisões operacionais, estratégias de marketing, formatação de produtos e até desenho de territórios. Redes mais maduras usam modelos preditivos para escolher novos pontos de venda com base em comportamento de consumo e análise de mobilidade urbana. Outras aplicam IA para personalizar cardápios de acordo com clima, data, perfil de compra e eventos locais, criando experiências quase artesanais dentro de redes que operam com centenas de unidades.

Um estudo do MIT Sloan Management Review mostrou que empresas que integram IA em decisões táticas e estratégicas têm 5 vezes mais chances de alcançar crescimento sustentável em ambientes de alta concorrência. Isso não acontece por mágica. A IA exige infraestrutura, dados de qualidade, clareza de objetivos e, acima de tudo, governança. Redes que adotam IA de forma oportunista, sem conexão com cultura e propósito, tendem a gerar frustração, tanto interna quanto nos consumidores.

Mas a IA não é o único vetor de mudança. A hiperpersonalização já se consolidou como demanda básica no varejo global. Clientes não querem mais ser vistos como segmentos, mas como indivíduos. E esperam que cada ponto de contato com a marca reflita isso. No franchising, isso se traduz em unidades com ofertas dinâmicas, programas de fidelidade contextuais, promoções baseadas em localização e interação humana assistida por tecnologia.

Redes na Europa têm experimentado modelos de personalização híbrida, combinando inteligência artificial com atendimento humano qualificado. Nos Estados Unidos, algumas franquias de alimentação já trabalham com variações de cardápio que mudam automaticamente conforme o perfil de consumo dos bairros atendidos, tudo suportado por sistemas de gestão em nuvem. Na Ásia, o uso de QR codes, realidade aumentada e algoritmos em tempo real tornam a jornada de compra um fluxo fluido entre o digital e o físico.

É nesse contexto que surge o conceito de unified commerce, uma evolução do omnichannel que não apenas integra canais, mas unifica a visão de cliente, estoque, entrega, pagamento e relacionamento em uma única camada. Em outras palavras, o cliente pode navegar entre o físico e o digital sem fricção, e a rede de franquia opera como se fosse um único organismo, mesmo distribuída em centenas de pontos.

Essa integração profunda exige mudança de mentalidade. O franqueado não pode mais ser visto apenas como operador local, mas como nó ativo de uma malha inteligente. Ele precisa acessar dados em tempo real, entender comportamento de clientes, interagir com múltiplas plataformas e, muitas vezes, tomar decisões com base em insights automatizados. É uma mudança de papel: do executor para o estrategista de campo.

No Brasil e na América Latina, esse movimento ainda está em construção. Mas já há redes implementando plataformas de CRM integradas entre franqueador e franqueado, painéis preditivos de performance em tempo real, hubs de dados compartilhados e sistemas de recomendação de estoque por geolocalização. O desafio é tornar essas ferramentas acessíveis, intuitivas e conectadas ao modelo de negócio, para que não se tornem apenas uma camada de complexidade desnecessária.

A tecnologia, aqui, precisa ser silenciosa. Deve operar nos bastidores, criando fluidez. A experiência do cliente e também do franqueado precisa ser natural, coerente e personalizada. Isso só é possível com sistemas integrados, mas também com clareza estratégica e simplicidade de execução.

A INSEAD tem analisado como redes de franquia que adotam unified commerce alcançam não apenas maior lucratividade, mas também maior resiliência. Isso ocorre porque essas redes criam redundância positiva. Quando um canal é interrompido, outro absorve a demanda. Quando um território apresenta queda, outro cresce. Quando um cliente inicia uma compra no digital, ele pode concluí-la na loja física ou receber por entrega personalizada. Tudo isso alimenta um sistema que se adapta em tempo real.

O futuro do franchising passa por essa fluidez inteligente. A padronização ainda importa, mas ela se desloca para o plano da estrutura. Na superfície onde o cliente toca, vê, interage a personalização se torna imperativa. E nos bastidores, a inteligência artificial se encarrega de sustentar tudo isso com eficiência, previsibilidade e escala.

O Franchising 4.0 não é um modelo para o futuro distante. Ele já está operando, agora, nos bastidores de redes que entenderam que tecnologia, quando bem integrada, não tira a alma do negócio. Ao contrário, ajuda a revelá-la com mais precisão.

A obsessão por crescimento rápido marcou boa parte da história recente do franchising no Brasil e no mundo. Durante anos, a abertura acelerada de unidades foi tratada como sinônimo de sucesso. Gráficos ascendentes, mapas repletos de bandeiras, expansão geográfica a qualquer custo. Mas os últimos ciclos econômicos, somados à sofisticação do mercado e ao avanço tecnológico, têm mostrado uma verdade desconfortável: escalar não é o mais difícil. O desafio real está em escalar com coerência, margem e propósito.

Franchising 4.0 não celebra volume por si só. Ele valoriza redes que conseguem crescer preservando sua cultura, seu modelo de negócio e sua proposta de valor. São marcas que compreendem que cada nova unidade precisa ser mais do que uma réplica. Ela deve ser uma célula viva, conectada a um ecossistema inteligente e guiada por clareza estratégica.

O crescimento orientado por propósito começa com uma pergunta fundamental: por que escalar? Essa reflexão exige maturidade. Algumas redes crescem para ocupar território e se proteger de concorrência. Outras, para diluir custos fixos. As mais avançadas, crescem para ampliar impacto, atingir mais clientes e fortalecer a comunidade de franqueados. Cada uma dessas razões demanda estruturas, perfis e estratégias distintas.

Nas escolas de negócios da Kellogg e da Harvard Business School, o franchising é estudado como um modelo que pode unir eficiência econômica com impacto local. Mas isso só é possível quando a expansão respeita o tempo da rede, os limites da cultura e a maturidade dos operadores. Crescer exige estrutura de suporte, processos replicáveis, modelos financeiros saudáveis e, sobretudo, liderança preparada para escalar.

Isso vale tanto para franqueadores quanto para multifranqueados. Um operador que administra duas lojas não precisa da mesma estrutura de alguém que lidera vinte unidades. Quando a escala acontece sem preparação, surgem distorções: margens se comprimem, cultura se fragmenta, operações se tornam reativas. Ao contrário do que se imagina, escalar prematuramente pode reduzir a capacidade de gerar valor.

A construção da escala inteligente passa por algumas decisões estratégicas. A primeira delas é a padronização crítica. Nem tudo precisa ser igual em uma rede. Mas aquilo que sustenta a proposta de valor da marca — o core operacional, a jornada do cliente, a entrega de produto ou serviço — precisa ser absolutamente previsível. O restante pode e deve ser adaptado a contextos locais, criando resiliência e inovação na ponta.

A segunda decisão envolve o modelo de suporte. Redes que escalam bem não apenas replicam unidades, mas também replicam sistemas de suporte. Atendimento ao franqueado, programas de capacitação, rotinas de auditoria, canais de comunicação, ferramentas de feedback. Tudo precisa crescer proporcionalmente à rede. O que funciona com vinte unidades pode colapsar com duzentas, se não houver redesenho estrutural.

A terceira decisão é sobre pessoas. Escalar exige líderes preparados. E isso vale tanto para o franqueador quanto para os franqueados. Liderar vinte unidades em três estados demanda habilidades de gestão de times, finanças, logística, relacionamento institucional e inovação. Não basta ser bom operador. É preciso desenvolver mentalidade de gestor de rede.

Muitas redes já perceberam isso e passaram a investir na formação de multifranqueados. Criam trilhas de aprendizagem, mentorias internas, comunidades de troca entre operadores. Estão menos preocupadas em controlar e mais atentas em desenvolver. Essa mentalidade transforma o relacionamento com a rede: de vigilância para parceria. E prepara o terreno para um crescimento sustentável e colaborativo.

A quarta decisão está na medição. Escalar com margem exige controle preciso de indicadores. Margem bruta, margem operacional, retorno sobre capital investido, produtividade por colaborador, conversão de clientes, tempo de payback. Esses dados não podem ser apenas coletados, mas analisados e traduzidos em ações. A tecnologia ajuda, mas é a cultura de performance que dá sentido aos números.

Por fim, escalar com propósito também implica responsabilidade. Uma rede com duzentas unidades não pode ignorar o impacto que gera no território. Emprega milhares de pessoas, movimenta ecossistemas locais, influencia comportamentos. Marcas que compreendem esse papel investem em cultura organizacional, diversidade, sustentabilidade e protagonismo regional. Crescem com os pés no chão e os olhos no futuro.

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Na Ásia, redes que adotaram o modelo de microfranquias com impacto social conseguiram escalar mantendo margens sólidas e engajamento alto dos operadores. Na Europa, cresce o número de franquias com modelo híbrido, onde parte da operação é direta e parte é franqueada, permitindo maior controle da identidade da marca. Nos Estados Unidos, surgem redes que operam como holdings de multifranqueados, onde a escala não vem da multiplicação de unidades de uma única marca, mas da complementaridade entre marcas de portfólio.

O Brasil avança nessa direção, embora com desafios. O capital disponível ainda é limitado, a formação de líderes exige tempo e a infraestrutura digital nem sempre acompanha a ambição das redes. Mas há sinais positivos. Franqueadores investindo em centros de excelência. Franqueados estruturando times de gestão próprios. Consultores ajudando a construir manuais vivos, adaptativos, conectados ao dia a dia da operação. É uma nova era.

Franchising 4.0, no fim das contas, não se trata apenas de tecnologia, governança ou dados. Trata-se de identidade. De coerência. De construir redes que possam crescer sem perder sua essência. E de entender que escalar com propósito é o único caminho viável para redes que pretendem durar.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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