Luciana Atheniense
Luciana Atheniense
VIAJANDO DIREITO

STF pode enfraquecer direito do consumidor em ações sobre viagens aéreas

Tema 1417 avalia prevalência do CBA sobre o CDC e ameaça reduzir direitos de passageiros, criando precedente perigoso para outros setores

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O Supremo Tribunal Federal deve julgar, em repercussão geral, o Tema 1417, que discutirá a prevalência do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) sobre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre passageiros e companhias aéreas, em viagens nacionais em território brasileiro.

O caso paradigmático envolve a Azul Linhas Aéreas, condenada a indenizar um passageiro que, após cancelamento de voo motivado por incêndios no Pantanal, foi obrigado a seguir parte do trajeto de ônibus, chegando ao destino com mais de 16 horas de atraso.

Hoje, a jurisprudência majoritária reconhece a aplicação do CDC, impondo responsabilidade objetiva às companhias e assegurando assistência material em casos de atrasos, cancelamentos e falhas no serviço, independentemente de problemas meteorológicos ou operacionais.

Já as empresas defendem que, por se tratar de legislação especial, o CBA deveria prevalecer. Se o STF acatar essa tese, haverá um enorme retrocesso, pois excludentes de responsabilidade — como condições climáticas — poderão afastar a obrigação de indenizar, reduzindo a proteção dos passageiros.

Riscos constitucionais e efeito sistêmico

Especialistas alertam que a prevalência do CBA afrontaria diretamente a Constituição Federal. O art. 5º, XXXII, e o art. 170, V, consagram a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica, e o art. 48 do ADCT determinou a criação do CDC como norma de proteção geral. Afastar o CDC no transporte aéreo significaria abrir um perigoso caminho para que outros setores regulados — como planos de saúde, bancos e telecomunicações — também tentem escapar da legislação consumerista, fragilizando um dos principais instrumentos de equilíbrio nas relações de consumo.

É evidente que cancelamentos por razões meteorológicas fazem parte da rotina da aviação e cabe ao comandante decidir pela segurança do voo. O problema não está aí, mas sim no tratamento dado ao passageiro após o cancelamento:

• Ausência de informação imediata e adequada;
• Filas intermináveis, com poucos funcionários para centenas de passageiros;
• Negativa ou demora na oferta de hospedagem e vouchers de alimentação;
• Vouchers de valores irrisórios, incapazes de cobrir os custos reais nos aeroportos.

Trata-se do risco do negócio e não pode ser transferido ao consumidor. O passageiro não pode ser sacrificado por falhas estruturais das empresas.

A hora da mobilização

O julgamento do STF exige cautela e vigilância da sociedade civil. O setor aéreo tem feito lobby intenso para restringir a aplicação do CDC, sob o discurso de “litigância excessiva” e “insegurança jurídica”. A realidade, no entanto, demonstra o contrário: os milhares de processos não nascem de uma suposta “indústria do dano moral”, mas do descumprimento sistemático dos direitos básicos dos passageiros — assistência precária nos canais de atendimento, atrasos inesperados, falta de informações, descaso na oferta de alimentação e hospedagem.

Os consumidores recorrem ao Judiciário não por “aventura jurídica”, mas por necessidade diante da negligência das empresas. Alegar que os passageiros buscam enriquecimento ilícito é, no mínimo, uma falácia.

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O que está em jogo vai além da interpretação de duas leis. Trata-se da preservação de um pilar constitucional de proteção do consumidor, conquistado há mais de três décadas. O resultado do julgamento do Tema 1417 poderá redefinir não apenas o futuro das relações entre passageiros e companhias aéreas, mas também o alcance do Código de Defesa do Consumidor em todo o mercado brasileiro.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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