Leon Myssior
Leon Myssior
Leon Myssior é Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR, fundador do INSTITUTO CALÇADA e acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou.
GELEIA URBANA

Sobre favelas, território e soberania

Onde o território tem um "dono", onde o Estado não tem presença, não há soberania

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O alarmante quadro de insegurança pública e delinquência criminal brasileira, embora ceife mais vidas a cada ano do que qualquer guerra em curso no planeta, só ganha visibilidade e editoriais quando produz imagens espetaculares. Mortes solitárias não mobilizam, não geram exposição e nem debates.

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A recente operação nas favelas do Rio, a presença maciça de “autoridades” nos palanques se eximindo de qualquer culpa, e a enorme quantidade de “especialistas” em segurança pública declamando asneiras e platitudes (quando não apenas cuspindo doutrinação, ideologia barata e visões romantizadas de uma situação absolutamente crítica) explicam o lamaçal em que nos encontramos.

Explicam onde estamos, mas não explicam como chegamos aqui. Para tanto, precisamos voltar no tempo e analisar o tratamento dado ao território nas cidades e seu pior subproduto, as favelas.

Favelas urbanas são fruto da conjunção de dois fatores: a pobreza e o crescimento acelerado de uma cidade; na convergência, a incapacidade dos gestores públicos de antecipar o problema e a ineficiência (quando não o desinteresse ou a paralisia) em endereçar a questão, produzindo habitação social no volume necessário, dentro da cidade formal, e com um grau mínimo de proximidade com os empregos.

Doença típica de países pobres, e de países que, mesmo enriquecendo, jamais foram capazes de tratar a questão com a seriedade e a urgência necessárias. Urgência sim, porque a cidade informal, livre da burocracia, das normas e das regras, se desenvolve em alta velocidade, aproveitando cada ausência, cada vazio e cada “área de proteção” disponível.

Por “disponível", áreas urbanas ou não que, embora visíveis, padecem do desinteresse do poder público, que escolhe não dar uso, não cuidar e não perceber a invasão iniciada. E, quando escolhe não ver a invasão iniciada, certamente fechará os olhos quando a invasão tomar corpo e se transformar num “problema social”.

“Problema social” que gera tantos novos votos, votos - por assim dizer - fiéis, dada a precariedade e necessidade de tudo, um verdadeiro paraíso para promessas feitas e jamais cumpridas, fonte inesgotável de recursos para “movimentos sociais” e ONGs sempre prontas a debater, diagnosticar, amparar e “defender” os desvalidos. Desvalidos que, por alguma causa inexplicável, mesmo após tanta gente “cuidando", “ajudando" e “protegendo", continuam na mesma, e em quantidade crescente.

Favelas têm sido rebatizadas de “ocupações subnormais", de “comunidades”; novelas já apresentaram as favelas como locais de pertencimento e uma felicidade humilde, despretensiosa, um local quase idílico onde as famílias criam raízes e de onde não pretendem jamais sair.

E, no entanto, quem mora numa favela continua morando num território onde o Estado não chega, continua exposto ao esgoto correndo a céu aberto, à inconstância no fornecimento de água, a longas caminhadas entre o ponto de ônibus mais próximo e sua casa.

Não há espaço para romantismo e nem condições de negar a dura realidade de quem vive à mercê de organizações criminosas que dominam o território, que implantam barricadas que impedem viaturas policiais, ônibus e ambulâncias de se aproximarem, que controla o acesso de todos, que andam armados, que executam dissidentes, que dominam a distribuição de gás, internet e os negócios “aprovados”. Não há como ignorar a exposição de crianças ao tráfico, ao armamento, à celebração da ignorância e a disposição para o conflito.

Favelas não são comunidades bucólicas: são territórios conflagrados e dominados por organizações que negam o Estado e subjugam a população, não raro usadas como escudos humanos em momentos de conflito armado.

Não há pessoa de bem, não há pais de família cujo sustento não esteja ligado à organizações criminosas, ou que não esteja a soldo dos “movimentos sociais” e ONGs, que sonhe em passar a vida numa favela, que veja com bons olhos os filhos crescendo numa favela, e que não sonhe em sair dali, em se mudar para um imóvel na cidade formal.

A grande maioria não vive “de graça" porque paga aluguel, e paga caro. O adiamento - ou a impossibilidade da mudança - recai sobre fatores: empregos informais que não produzem cadastro para qualificação de um aluguel formal e inexistência de imóveis com valores compatíveis (de aluguel ou compra) nas zonas centrais, um dos grandes “diferenciais positivos” que as favelas sempre oferecem (localização, proximidade com os empregos, transporte público próximo).

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Quando a cidade formal renega alta densidade, quando os planos diretores limitam um aproveitamento pleno e encarecem os lotes, quando a burocracia complica tudo e quando o sistema tributário encarece absurdamente a produção de moradias, o crescimento das favelas é fortemente incentivado.

Encarar as favelas como “fato consumado” equivale a aceitar a pobreza e a criminalidade como “fatos consumados". O objetivo de toda cidade, todo governo, do governo federal, deveria ser a erradicação das favelas por meio da produção de moradias na cidade formal, proporcionando a cada um desses habitantes a condição de cidadão de primeira classe, alcançado e servido pelo Estado em sua plenitude.

E as futuras não favelas? o resgate e recuperação de importantes áreas verdes hoje ocupadas, de mananciais atualmente comprometidos, a criação de novos parques e áreas de lazer.

Onde o território tem um “dono”, onde o Estado não tem presença, não há soberania.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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