Leon Myssior
Leon Myssior
Leon Myssior é Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR, fundador do INSTITUTO CALÇADA e acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou.
GELEIA URBANA

Quando a retórica parece bonita, mas os efeitos reais são seu exato oposto

Quando parte do poder legislativo municipal coloca o viés ideológico à frente dos fatos, todos perdem, mas a população mais necessitada sempre perde mais

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O urbanismo - e a legislação urbana - é um negócio complicado porque, embora cada decisão traga impactos para toda a população de uma cidade, os temas são completamente estranhos e alheios ao debate público. Pior, escrito, debatido e aprovado em gabinetes, numa terminologia que mais parece uma mistura de sânscrito com pinturas rupestres.

Tentar explicar de forma clara e sintética não é, portanto, um desafio pequeno.

A cidade é feita de áreas subdivididas em lotes (área privada), conectadas por um sistema viário (área pública) e áreas institucionais (mais área pública, destinada a escolas, hospitais, delegacias, etc). Quando essa subdivisão foi feita por gente inteligente, incluiu também parques e praças (mais área pública, além do mínimo requerido).

Cada lote “recebe” do Plano Diretor um zoneamento, que é um pacote de parâmetros permitidos para lotes de uma mesma região. Esse pacote de parâmetros dita o coeficiente de aproveitamento (que é o fator de multiplicação da área do lote, ou quanto pode ser construído em cada lote). Um outro parâmetro, igualmente importante, são os afastamentos frontal e lateral, que ditam um afastamento mínimo obrigatório em relação à calçada, e de suas divisas (quanto mais alto o prédio, mais o prédio deve afastar-se de suas divisas). Há, ainda, a quota habitacional, que indica quantas unidades podem ser construídas em cada lote, dividindo-se a área do lote por esse índice.

Existem dezenas de outros parâmetros a serem considerados no projeto de uma edificação qualquer num determinado lote da cidade, mas citei esses 3 especificamente porque, em conjunto, determinam se teremos uma cidade compacta, densa e vitalizada, ou seu oposto, uma cidade espalhada, pouco densa e sem vitalidade. Se teremos uma cidade na qual a infraestrutura está concentrada, sua manutenção otimizada e o transporte público atendendo bem, ou seu oposto (infraestrutura espalhada e com custo de manutenção anabolizado, transporte público deficiente e de baixa qualidade, muitos engarrafamentos e horas de deslocamento).

Mais do que determinar o perfil da cidade que teremos, esses 3 parâmetros determinam, ainda, se teremos imóveis acessíveis a várias camadas da população (ou apenas aos mais afluentes), e se teremos uma economia vibrante e serviços especializados (ou se, ao contrário, seremos uma cidade de shopping centers cujo comércio e serviços são dominados por grandes redes, abafando os comércios locais).

Já deu para entender a opção que as nossas cidades fizeram, e porque chegamos até aqui, com cidades espalhadas, transporte público deficiente e de baixa qualidade, degradação das zonas centrais, manutenção e zeladoria sempre abaixo do mínimo, déficit habitacional, imóveis cada vez mais caros, falta de segurança e de vitalidade no comércio, baixa atração de estrangeiros e dos "nômades digitais”.

Mas falta, ainda, um dado importante para a compreensão mais profunda do buraco em que nos encontramos, em termos urbanos, atualmente: os coeficientes de aproveitamento que, até a década de 1970, chegavam a 10 vezes a área do lote, vieram sendo sistemática e gradativamente reduzidos, até que alguém se deu conta de que poderia reduzir ao mínimo, e vender coeficiente de volta ao incorporador.

Pareceu inteligente, porque atende aos que estão sempre tentando criar dificuldades e punir os incorporadores imobiliários, mas atendeu também ao pessoal da fazenda municipal, sempre atrás de novos recursos (já que a cidade, de tão espalhada, consome o caixa em manutenção da infraestrutura… espalhada). Atendeu, também, à parcela dos eleitores que demoniza o empreendedorismo e a geração de riquezas. Atendeu, por fim, à academia que, encastelada, sonha com a “cidade radiosa”, totalmente planejada, com regras rígidas onde a espontaneidade - e a vida - nunca tem vez (a Brasília do Plano Piloto).

Na medida em que a prefeitura se torna sócia do proprietário no lote, a equação ganha complexidade e uma nova variável. Não obstante, a viabilidade financeira precisa se manter preservada (ou o negócio não sai), e o valor da ODC (Outorga onerosa do direito de construir) precisa ser balanceado.

Não é difícil de entender, e ainda assim um grupo de vereadores de um determinado partido obteve uma liminar suspendendo uma lei que reduzia o custo da ODC dentro do perímetro da Avenida do Contorno, na prática dobrando o custo desse coeficiente adicional e inviabilizando uma série de empreendimentos em estudo, em negociação e até mesmo já iniciados.

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Ainda é difícil mensurar o impacto que o município terá, e a quantidade de negócios e empregos que serão transferidos para outros municípios. Por alguma razão, uma parte da Câmara Municipal de Belo Horizonte, de tão doutrinados e embevecidos pela disputa política, perdem a dimensão dos impactos gerados por esse tipo de atuação.

O poder executivo e o poder legislativo, juntos, abriram mão nos últimos 40 anos de uma cidade compacta, densa e vitalizada, para ter seu exato oposto. Agora, parece que iremos assistir a uma parte do poder legislativo inviabilizando negócios e expulsando empreendedores, negócios e empregos para os municípios vizinhos.

A pergunta que fica é: tem alguém aí realmente interessado em melhorar Belo Horizonte?

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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