Leon Myssior
Leon Myssior
Leon Myssior é Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR, fundador do INSTITUTO CALÇADA e acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou.
GELEIA URBANA

Salvem os predinhos de tijolinhos!

A cidade trocou uso misto, densidade, aproveitamento dos lotes e transporte público eletrificado sobre trilhos por ônibus a diesel e subaproveitamento dos lotes

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A “fase de ouro” de Belo Horizonte termina na década de 1970, e há - como se diz na medicina moderna - vários “marcadores” da doença que acomete a cidade desde então.

Um deles é a extinção da rede de bondes elétricos com quase 70 km de trilhos, conectando a Savassi à Pampulha, à Cidade Jardim, ao Centro e à Lagoinha. Em vez de manter, expandir, se desdobrar em uma rede de metrô e evoluir para um VLT, a municipalidade optou por uma rede exclusiva de ônibus.

Outro é o abandono do modelo urbanístico que estimulava o comércio ao nível da rua, diretamente nas calçadas, onde a altura máxima dos prédios era determinada pela largura das ruas (ou seja, fachadas ativas, inexistência de afastamentos frontais e laterais e grandes coeficientes de aproveitamento em todos os lotes). O uso misto era o padrão e a quantidade, o tamanho e o “mix” de produtos em cada prédio definidos única e exclusivamente pelo empreendedor.

A cidade trocou uso misto, densidade, aproveitamento dos lotes e transporte público eletrificado sobre trilhos por ônibus a diesel e subaproveitamento dos lotes, baixa densidade, espalhamento e encarecimento das construções (prédios com afastamentos custam mais caro, tem mais janelas, mais fachadas, estruturas com transição). Trocou regras bastante simples e liberdade projetual por um cipoal de regras, chamadas de Plano Diretor.

De lá para cá, a antiga “cidade-jardim” (como BH era conhecida até então) se transformou na “cidade-asfalto”, “cidade-carro”, “cidade-engarrafamento” ou “cidade-barulho” (o leitor tem liberdade para escolher mais de uma alternativa ou todas).

A boa notícia é que essa administração municipal, após décadas, enxerga o que a cidade perdeu, compreende as causas e se propõe a resgatar as boas práticas urbanísticas e evidências por todo o planeta. A má notícia é que, para a cidade voltar aos trilhos, as regras precisam estar codificadas no próximo Plano Diretor, e o modelo vigente de Conferência onde esse debate acontece é perversamente desenhado para não permitir que os técnicos e agentes do mercado imobiliário tenham voz ativa, mantendo o Plano Diretor capturado por partidos políticos e seus puxadinhos, os movimentos sociais.

Essa era a primeira má notícia, mas há outras: como o Plano Diretor vigente aproveita pouco e mal cada lote, por um lado a cidade continua a se espalhar, e, por outro, a concorrência - e a valorização - dos terrenos nas áreas centrais é ferrenha, e já se pode notar a demolição de prédios de três e quatro pavimentos para formação de grandes terrenos (onde será construído um novo prédio com baixa densidade). Tivéssemos o mesmo regramento da década de 1960, os prédios que hoje demandam 3 mil m² (ou mais) de lotes, poderiam ser edificados sobre lotes menores, de apenas 600 m².

Pior, para formação dos novos terrenos, estamos agora demolindo prédios que já faziam ótimo aproveitamento de pequenos terrenos, gerando uma boa ambiência aos quarteirões. Deixamos de trocar coisas ruins por coisas novas, para trocar coisas ótimas por coisas ruins, porém novas.

Os “predinhos” de três e quatro andares construídos nas décadas de 1950, 1960 e 1970 fazem parte de um forte movimento do mercado imobiliário, são presença constante em bairros “do lado de fora” da Avenida do Contorno e viabilizaram residências a baixo custo e pouca distância do trabalho para a classe média emergente, em uma fase em que a cidade crescia num ritmo acelerado.

A resposta do mercado imobiliário veio em forma de prédios de três e quatro pavimentos e pouca variação volumétrica (eventualmente uma varanda ou um balcão, armários projetados para fora), quase sempre em terrenos de 300 a 360 m², parcialmente adornados por pastilhas, cerâmicas e, meu preferido, lajotas imitando tijolinho aparente.

Nunca chamaram atenção, mas a cidade cresceu, e vieram as décadas de 1980 em diante, com seus prédios muito pouco inspirados, porcamente concebidos e mediocremente revestidos, sempre ilhados no meio de terrenos e afastados da rua por jardins feios e gradeados, e seus estacionamento suspensos. Nessa cidade que emerge após 1980, os predinhos de três e quatro andares - e em especial meus prediletos, os de tijolinho aparente - simbolizam o último suspiro de uma cidade bonita e com apartamentos acessíveis para a classe média. Simbolizam, mais do que o fim de um ciclo, o quanto a boa arquitetura pode - também - vir de pequenas obras, sem qualquer pretensão, de feitio barato, coladas às divisas dos lotes, aproveitando muito bem cada terreno.

Seu “habitat” são bairros como Anchieta, Sion, Carmo, Cruzeiro, Serra, São Pedro, Colégio Batista, Floresta e Carlos Prates, mas a presença nos bairros mais valorizados, como Savassi, Lourdes e Santo Agostinho, já encontra-se ameaçada por um mercado imobiliário que, pressionado pelo baixíssimo aproveitamento dos lotes, encontra na formação dos terrenos necessários, cada dia mais complexidade e maiores custos. O desfecho já está desenhado: os predinhos serão comprados e vão ao chão.

O que espanta é que, no fim do dia, a saída para redução nos custos das residências produzidas passa pela preservação dos predinhos de três e quatro andares: aumentar o potencial construtivo e desobrigar aos afastamentos frontal e laterais obrigatórios.

Permitir que os novos prédios possam ser construídos em terrenos menores é, antes de tudo, atuar pela preservação de uma tipologia que marca um período da história da cidade, garante uma boa ambiência aos bairros, cujo destino deveria ser a atualização do prédio e dos apartamentos, não sua demolição.

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A próxima revisão do Plano Diretor vai decidir se os predinhos de três e quatro pavimentos continuam existindo, ou se passam a ocupar o rol de “espécies extintas”.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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