Renato de Faria
Renato De Faria
Filósofo. Doutor em educação e mestre em Ética. Professor.
FILOSOFIA EXPLICADINHA

Professores em extinção e a crise na educação: última aula antes do apagão

A educação está em crise. Mas não por falta de inovação. Pelo contrário: há tanta inovação que esquecemos do básico

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Vivemos numa época tão avançada que o bebê nem precisa nascer, é reborn, feito de silicone, pintado à mão, com cílios implantados e cheiro de talco sintético. A inteligência nem precisa de se desenvolver, pois já se obtém uma versão artificial que responde mais rápido que o Google e erra com mais autoconfiança que o aluno jurando que Hegel foi lateral do Palmeiras. E a escola nesse cenário? Virou uma instituição jurássica que insiste em ensinar o que os influenciadores já explicaram em 30 segundos. Detalhe, com filtro de cachorrinho.

Assistimos, em tela HD, a escola como a próxima espécie em extinção. Vai para o museu, juntamente com a máquina de escrever, a ética kantiana e o bom senso. A criança já nasce com acesso a tutorial, PDF, videoaula, IA, IQ, QR code e TCC pronto no Pinterest. Só não nasce com paciência, atenção, esforço e essa coisa ultrapassada que ainda chamam de “necessidade de aprender”.

Nesse contexto, é natural que o docente se transforme em um item decorativo do século XX. Sua função agora é sorrir, aceitar e adaptar-se — como uma gelatina pedagógica moldada ao gosto do comprador. Sua autoridade virou meme, sua voz compete com o barulho das notificações e sua missão é ser interessante o suficiente para que o aluno não o troque por um podcast sobre teorias da conspiração narrado por um coach autodidata.

A escola tornou-se desnecessária não porque falhou, mas porque foi sabotada por uma cultura pedagógica que confundiu autonomia com ausência de método e inteligência com capacidade de decorar memes. Nesse mundo, se Sócrates estivesse vivo, seria cancelado por assédio filosófico por perguntar demais e “não validar o sentimento do aluno que acredita ser Platão na reencarnação”.

A educação está em crise. Mas não por falta de inovação. Pelo contrário: há tanta inovação que esquecemos do básico. Ensinar requer vínculo, disciplina, conteúdo e frustração. Nenhum algoritmo substitui o silêncio constrangedor de quem não sabe responder uma pergunta. Nenhum holograma reproduz o olhar irônico do professor diante de uma desculpa esfarrapada. E nenhuma IA entende a importância de uma aplicação de prova surpresa numa segunda-feira chuvosa.

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Portanto, antes que declaremos a escola obsoleta, sugiro que a visitemos de novo. Com olhos menos digitais e mais humanos. Talvez descubramos que, embora o bebê seja reborn e a inteligência seja artificial, a educação — essa sim — precisa continuar sendo real.

E se for para ser inútil, que seja como o filósofo: inútil como uma vela ao sol, mas indispensável na escuridão.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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