Etiene Martins
Etiene Martins
Jornalista, pesquisadora das relações étnico-raciais e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ
STF

O machismo e o racismo incubado pelo presidente Lula

"O racismo retira a sensibilidade dos seres humanos para perceber o sofrimento alheio, conduzindo inevitavelmente à sua trivialização e banalização"

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Desde quando eu pude exercer o meu direito ao voto, todas as vezes que o Luiz Inácio Lula da Silva se candidatou, eu votei nele. Quando ele não veio candidato, votei na Dilma e no Haddad, suas indicações. Tenho orgulho em dizer isso? Não. E não porque me envergonhe deles, mas porque, diante da conjuntura, deixei de votar em Léo Péricles nas últimas eleições presidenciais, perdendo a oportunidade de prestigiar um candidato negro, com propostas excelentes, íntegro e politicamente alinhado com aquilo em que acredito. Fiz isso para não dar margem à reeleição do ex-presidente da extrema direita.

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Faço questão de declarar meu voto publicamente, ainda que tenha o direito legal de mantê-lo em segredo, para que, quem me leia pela primeira vez, compreenda claramente de onde parte a minha crítica. As políticas de educação e promoção da igualdade racial implementadas nas gestões do presidente Lula me deram acesso ao mínimo, que historicamente é tratado como privilégio para mulheres negras como eu: o direito à educação mais do que básica. Graças a essas políticas, cursei duas graduações, uma especialização, dois mestrados e um doutorado.



Dito isso, eu quero problematizar a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso e a indiferença do presidente Lula em relação a nós, mulheres, e principalmente a nós, mulheres negras , deste país. É totalmente compreensível e justificável que a indicação do presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal se dê por inúmeros critérios políticos, e que haja um cálculo necessário que guie essa importante escolha. É evidente que, seja qual for o chefe de Estado, ele vai buscar indicar um nome que compartilhe de sua visão de mundo e que possa atuar de forma alinhada com os interesses do governo. Afinal, a indicação é uma oportunidade de fortalecer a presença política do Executivo no Judiciário.

Mas há uma questão que poderia estar inclusa, que é o presidente buscar diversificar a composição do tribunal, seja em termos de origem geográfica, gênero ou raça. E, quando olhamos a foto dos integrantes da Suprema Corte, não é isso que todos nós vemos. Eu não estou dizendo que só o fato de ser mulher ou negra deveria ser um critério para a indicação. Eu tenho formação e acesso ao conhecimento suficiente para saber que a experiência e a qualificação profissional são pontos decisivos. Candidatos com passagens por órgãos de alto escalão do Judiciário, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), costumam, e ao meu ver devem, ser considerados. A atuação anterior no Ministério Público ou em grandes bancas de advocacia também conta e deve contar pontos.

Porém, qual é a oportunidade que o presidente Lula dá para que as mulheres possam se aproximar dele? Porque, para obter a confiança para ser indicada, tem que fazer parte do métier e das relações com o presidente. Para se relacionar, se aproximar de um chefe de Estado, só é possível se ele convidar a pessoa para se aproximar dele. Mas o que todo mundo percebe é que, geralmente, ele faz questão de estar cercado somente por homens brancos, com pouquíssimas exceções de pessoas negras. Mulher, então? Nem se fala.

Um distanciamento estratégico? Suponho que sim. Se ele não se propõe a se aproximar de nenhuma jurista negra qualificada, ele pode continuar afirmando que vai escolher uma pessoa que possa atender aos interesses e expectativas do Brasil, uma pessoa que tenha respeito com a sociedade brasileira, mantendo seu pacto narcísico com a branquitude e sendo totalmente indiferente às desigualdades raciais de acesso em um país tão miscigenado, com um STF tão branco e masculino. Dizendo nas entrelinhas que, nesse país tão continental, que não tem mulheres negras competentes e qualificadas para esse cargo, porque ele se nega a se aproximar delas, a chamá-las para uma conversa e entender as suas trajetórias. Reafirmando que somente homens e brancos possuem todas as qualificações, competências e virtudes para serem escolhidos e nomeados. Se isso não é racismo e machismo, por favor, me explique o que é?

Não há sensibilidade diante da falta de acesso e da injustiça social, mesmo com todos os dados que comprovam isso em mãos. Tem uma frase do Carlos Moore que me despertou, que diz assim: “A insensibilidade é produto do racismo. Um mesmo indivíduo, ou coletividade, cuidadoso com sua família e com os outros fenotipicamente parecidos, pode angustiar-se diante da doença de seus cachorros, mas não desenvolver qualquer sentimento de comoção perante o terrível quadro de opressão racial.” Na última indicação a esse cargo, em razão da aposentadoria da Rosa Weber, Lula ignorou o pedido de levar em consideração o fato de que nenhuma mulher negra foi indicada em toda a história do STF. Mais uma vez vou repetir: não estou falando de qualquer pessoa com a pele preta e o gênero feminino, e sim de levar em consideração a diversidade com um currículo e uma qualificação impecável. Mas, infelizmente, ele fez o que geralmente o racista/machista faz: nega o quadro, o que é pior, justifica-o. E combate de maneira ferrenha qualquer proposta tendente a modificar o status quo sociorracial e de gênero, usando dos mais variados argumentos universalistas, integracionistas e republicanos.

Assim como para o presidente Lula, a não inserção das mulheres negras não sensibiliza quem naturaliza a exclusão dessa parcela que soma 1/4 da população brasileira, que ocupa desde sempre a base da pirâmide social. Sabe por que não sensibiliza? O racismo retira a sensibilidade dos seres humanos para perceber o sofrimento alheio, conduzindo inevitavelmente à sua trivialização e banalização. Interseccionalizado com o machismo, então? O presidente Lula, mais uma vez, incuba o racismo e o machismo sistêmico e institucional que colaboram com o nosso epistemicídio e, consequentemente, com o nosso genocídio, continuando a fazer da racialização um dispositivo de segurança que delimita até onde podemos ou não estar.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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