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Etiene Martins
Etiene Martins
Jornalista, pesquisadora das relações étnico-raciais e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ
SEM VISIBILIDADE

Por que a comunicação do governo Lula torna invisível as pautas raciais? 

Não é de hoje que a comunicação é um excelente artefato da branquitude para moldar o pensamento e construir imaginários através de representações

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Na última terça-feira, Márcia Lima pediu exoneração do cargo de secretária de Políticas Afirmativas do Ministério da Igualdade Racial. Mesmo sendo um cargo de confiança, ao sair ela teve a coragem de apontar os erros do governo federal que ela detectou e que visivelmente a incomoda. 


Em entrevista à jornalista Maria Brasil, repórter do jornal Folha de São Paulo, Márcia disse exatamente assim: "O problema não é a comunicação do ministério, eu acho que é a comunicação do governo sobre o ministério. E também sobre alguns ministérios, não somente o MIR” e complementou "A imprensa também dá destaque a coisas que na verdade não são as coisas mais interessantes que a gente faz. Muito destaque na figura da ministra e pouco no trabalho do ministério.”


São muitos os pontos que podem ser analisados na fala da Márcia, e não conseguirei analisar todos aqui, mas vamos começar por quem comanda a comunicação do governo federal, ou seja, pelo ministro de comunicação Juscelino Filho e pelo ministro de estado da secretaria de comunicação social da presidência da república Sidônio Cardoso Palmeiras. 


Juscelino é um médico especializado em radiologia reeleito a deputado federal pelo estado do Maranhão que está em seu terceiro mandato. De acordo com a descrição disponível no site oficial do governo federal na Câmara dos Deputados, Juscelino Filho presidiu o Conselho de Ética em 2019 e 2020. Foi relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022. Presidiu a Comissão de Seguridade Social e Família e a Comissão Especial de Inovação Tecnológica de Saúde. Participou de algumas frentes parlamentares relacionadas ao setor das Comunicações, como as de Defesa do Cinema e do Audiovisual Brasileiros e a Frente Parlamentar de Combate à Pirataria. Também se manifestou em defesa de políticas de saúde digital. Outra proposta relatada pelo maranhense foi a que atualizou e modernizou o Código de Trânsito.


Ah, o principal Juscelino Filho tem todas as características de um homem branco, pele branca, cabelos lisos e depois de ler a trajetória acadêmica e profissional dele constato que são essas as características que  sustentam o fato dele  ocupar um cargo que não tem qualificação e competência para estar. Ou será que é por politicagem? Será que no meio de tantas pessoas não tem ninguém com experiência e formação para ocupar esse cargo? Como cobrar profissionalismo de uma pessoa que não é sequer um profissional da área? O presidente paga com dinheiro público um salário de R$46.366,19 para os ministros, será que é justo uma pessoa sem qualificação profissional receber essa remuneração? Olha que nem citei os penduricalhos. 


Já Sidônio Palmeira assim como Paulo Pimenta que o antecedeu também é um homem branco e um profissional da comunicação. É publicitário por formação com trajetória profissional na área e me chamou a atenção que os únicos dois posts que têm em sua página pessoal do Instagram são dois vídeos do governo federal que os atores são negros uma aparente resposta à crítica da ex-secretária. Qualquer pessoa que analisar as redes do governo federal e sua comunicação como um todo chegará à mesma mesma conclusão que a Márcia.

 Não é de hoje que a comunicação é um excelente artefato da branquitude para moldar o pensamento e construir imaginários através de representações ou até mesmo da invisibilização. Quando o governo Lula escolheu a Anielle Franco para ministra eles não estavam focados na construção de políticas públicas de promoção à igualdade racial e sim no marketing que tal nomeação proporciona ao mandato do presidente. Anielle, sem dúvidas, é uma pessoa qualificada sobre as questões raciais, mas se analisarmos os currículos das ministras que a antecederam, em razão da pouca idade, o currículo dela está muito aquém.  

Então é obvio que o presidente Lula conhecia e conhece profissionais e intelectuais com muito mais bagagem para ocupar a pasta de igualdade racial, mas a visibilidade internacional que o sobrenome Franco alcançou após o trágico assassinato de Marielle brilhou aos olhos do presidente que queria essa visibilidade no seu mandato. Tanto é que a figura da ministra é mais importante do que qualquer programa, ação ou política do ministério em questão. Você aí, me conta qual foi a política de continuidade elaborada na gestão da Anielle Franco? 

Hoje temos cotas nas universidades, nos concursos públicos, a lei 10.639 que se transformou em 11.645 com algumas falhas, mas presentes no nosso dia a dia deixadas por gestões anteriores. Qual é a política implantada por Anielle que continuará lá quando a gestão dela terminar? Muito provavelmente assim como eu, você também não têm essas respostas, provando a pertinência da crítica da Márcia. 

Aos poucos as políticas para sanar as desigualdades sociais, quando se trata das atreladas ao racismo, vão sendo tachadas como identitaristas pelos brancos que são maioria no alto escalão do governo. Não é uma pauta tratada como relevante para ser comunicada, ter visibilidade mesmo a maioria boa população brasileira sendo negra. A política de promoção à igualdade racial vem sendo tratada como um mero acessório para ser utilizada pelo  governo para se defender caso seja acusado de racista e posar como um governo atento às desigualdades raciais. Infelizmente a comunicação do governo reflete a ideologias e crenças de quem está no comando. Uma ideologia masculina, elitista, arcaica que o pacto da branquitude dita o que pode ou não  virar  pauta ou briefing.    Para encerrar repondo a pergunta que utilizei no título desse artigo, não há empatia por parte da branquitude, que ocupa esses espaços, por assuntos que afetam apenas a vida de negros, afinal eles se acham tão universais que a política que contempla eles basta. 


 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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