Nós, mulheres negras brasileiras, somos ouro.
 -  (crédito: Leandro Couri/EM/D.A. Press)

Nós, mulheres negras brasileiras, somos ouro.

crédito: Leandro Couri/EM/D.A. Press

No Brasil, a misoginia e o racismo andam de mãos dadas, prova disso são os dados que demonstram há décadas que as mulheres negras estão sempre na base da pirâmide social. Mas mesmo com todas as adversidades que forjam lugares subalternos para nós, é perceptível uma movimentação que rejeita esse lugar e busca galgar novas possibilidades. 


É fácil cair na esparrela e acreditar no discurso: "basta esforçar para chegar lá" e tratar as mulheres negras que chegam "lá" como protagonistas de uma história de superação. Mas não é sobre isso, muito pelo contrário, é uma longa história de injustiça social, exploração e racismo. A sociedade, através da política e da mídia, constroem um padrão de sucesso, competência, beleza, poder e mérito restrito a um tipo de corpo. Corporeidade essa que passa longe de quem tem a pele preta, o cabelo crespo, nasceu e se criou na periferia e ainda é mulher. 

 

 

Todos os dias nós, mulheres negras, nos reinventamos em meio a tantas violências. Construímos nossas casas, criamos nossos filhos, persistimos na conquista de um diploma que nos possibilite um mínimo de mobilidade social. Seguimos enfrentando ônibus lotados, viajando longas distâncias todos os dias para abrir a cidade pela manhã. Seguimos fazendo os trabalhos insalubres e oferecendo hospitais, clubes, restaurantes, escritórios, banheiros e tantos outros lugares limpos para que a sociedade possa usufruir. A maioria de nós está alocada em funções servis, verdadeiros subempregos. Você pode estar pensando: mas todo emprego é digno.  E eu te respondo:  nem todo salário é digno. Se o que é ofertado é um subsalário, aquela função é, sim, um subemprego, mesmo que essencial.

 


Estamos alocadas nessas funções inúmeras vezes, não por falta de competência ou formação técnica em outros segmentos que remuneram melhor e não prejudicam a saúde, e sim por falta de oportunidade. Por uma rejeição contínua de pessoas como nós, em funções que não sejam hierarquicamente inferiores.


Esse Brasil que rejeita mulheres pretas e que tem um ditado antigo que diz que: "preta pra trabalhar, mulata para forunfar e branca pra casar" deve as únicas duas medalhas de ouro conquistadas até hoje nessa edição das olimpíadas a duas mulheres negras. Um país comandado por homens brancos que investem e apostam em outros homens brancos assiste a Rebeca Andrade ser a atleta com maior número de medalhas olímpicas. Ninguém em toda a história do país ganhou mais medalhas olímpicas do que essa jovem mulher negra. 

 


Os racistas se incomodam a tal ponto com essa conquista que um exemplo foi um dos posts que o Ministério da Comunicação fez ontem em uma de suas redes sociais invisibilizando Rebeca. O Ministério, que é comandado por um homem branco chamado Juscelino Filho, postou uma foto do pódio em que a ginasta Rebeca recebe a medalha de ouro e a tapou com a imagem de um computador. A foto foi apagada ontem mesmo após a reação do público. Em seguida, postaram a foto com a Rebeca no pódio com uma legenda pedindo desculpas. Juscelino é médico e não possui nenhuma formação em comunicação que justifique ocupar o cargo de ministro. Entretanto, está lá ocupando uma vaga que deveria ser minha ou de qualquer outra pessoa graduada, pós-graduada e com experiência em comunicação. Provando, mais uma vez, como se dá o pacto narcísico da branquitude.


Já quem trouxe a primeira medalha de ouro desta edição das Olimpíadas para o Brasil foi a judoca Beatriz Souza. Bia tem 26 anos, 1,76 de altura e, no dia do campeonato, pesava 135 quilos. Isso mesmo, uma mulher preta e gorda foi lá e representou bonito essa parcela de um quarto da população brasileira que se parece com ela. 

 

Repita comigo: não existe racismo reverso


Nós, mulheres negras do Brasil, somos ouro. Somos ouro não só nas Olimpíadas, mas em tudo que nos propomos a realizar, mas nem sempre a medalha vem. E não é por falta de mérito, e sim por falta de investimento, oportunidade e pelo excesso de racismo e misoginia que nos perseguem cotidianamente.