
Mais lidas
compartilhe
SIGA NO

Por Alexia Diniz
Dias atrás, uma amiga me mandou mensagem empolgada. “Meu assessor me ligou com uma oportunidade incrível!”, ela disse. “Pegar um empréstimo, investir em COE. Ele garante que o rendimento vai cobrir os juros e ainda sobra uma beirada!”.
Eu parei, respirei… e fui à loucura.
Pegar empréstimo pra investir em COE é o tipo de conselho que merece um troféu de criatividade e outro de irresponsabilidade. Mas o episódio é perfeito para mostrar o que está acontecendo no mercado: cada vez mais gente é seduzida por produtos com nomes bonitos e promessas tentadoras, mas que ninguém entende direito.
E o COE (Certificado de Operações Estruturadas) é o campeão disso. Promete o melhor dos mundos, segurança e chance de lucro alto, mas entrega algo que depende de mais fatores do que previsão do tempo.
O que é o COE, afinal?
COE é a sigla para Certificado de Operações Estruturadas, um nome pomposo para um investimento que mistura renda fixa com renda variável. Pense nele como um combo bancário: metade do dinheiro vai para aplicações seguras, tipo Tesouro Direto; a outra metade vai para apostas mais arriscadas, como ações, moedas ou índices.
A lógica é a seguinte: se os investimentos derem certo, você ganha bem. Se derem errado, o banco devolve seu dinheiro (ou parte dele).
Ou seja, o COE tenta juntar o melhor dos dois mundos: o “ganha mais” da renda variável com o “não perde tudo” da renda fixa. Mas, como toda promessa boa demais, há um porém.
Trazendo isso pra prática
Quando você compra um COE, está emprestando dinheiro a um banco. Esse banco monta uma estrutura combinando duas coisas:
-
Proteção: parte do seu dinheiro vai para títulos seguros, que garantem o valor investido no vencimento;
-
Aposta: o restante é aplicado em ativos de risco, ações, moedas, índices ou commodities.
O resultado do COE depende do desempenho dessa parte arriscada. Se tudo der certo, você ganha. Se der errado, recebe só o valor investido (se for COE com proteção) ou perde parte dele (se for COE de risco).
Parece simples, mas tem detalhes que o gerente geralmente pula na explicação, principalmente quando diz “não tem como perder dinheiro”.
Tipos de COE
Segundo a B3, há dois tipos de COE:
-
COE de capital protegido: não significa “sem prejuízo”; significa só devolução do principal no vencimento. Você recebe R$ 10 mil de volta se o emissor não quebrar, mesmo que o ativo de referência caia. Porém, o custo de oportunidade (o que você deixaria de ganhar em alternativas seguras como Tesouro Selic) é um prejuízo real para o seu bolso. Além disso, há inflação corroendo o poder de compra, taxas embutidas no produto, falta de liquidez (geralmente não dá para sair antes sem deságio) e risco de crédito do banco emissor. “100% protegido” = protegido apenas contra perder nominalmente o principal no vencimento, não contra perder poder de compra nem contra deixar de rentabilizar o dinheiro.
-
COE de capital de risco: você pode perder parte do investimento se o cenário for ruim. Exemplo: investe R$10 mil, o ativo desaba, e você recebe R$8 mil.
Ou seja: nem todo COE tem “garantia”. Por isso, é fundamental ler a lâmina do produto (aquele PDF que ninguém lê, mas deveria).
O que define o lucro de um COE
O COE pode estar atrelado a praticamente qualquer coisa: ações da Apple, Ibovespa, dólar, ouro, petróleo, inflação americana...
O banco escolhe o “ativo de referência” e define um gatilho: se ele subir até certo ponto, o investidor ganha X%.
Por exemplo:
Um COE pode prometer 20% de retorno se a ação da Apple subir nos próximos dois anos. Mas, se cair, o investidor recebe apenas o valor investido.
Bonito. Mas há um detalhe: você não recebe dividendos, não pode vender antes e pode ter um teto de ganho. Ou seja, se a Apple disparar 100%, você provavelmente levará os mesmos 20%, os outros 80% ficam com o banco que te vendeu o COE. Pense nisso como um mecanismo que permite ao banco custear um parte da sua perda no caso da aposta ser mal sucedida, do ativo referência se desvalorizar.
É como apostar num cavalo vencedor e receber só uma parte do prêmio porque o dono do estábulo ficou com o resto.
E quanto rende o COE?
O COE é um produto personalizado por banco, e cada instituição cria o seu com base nas expectativas do mercado. Por isso, não existe “rentabilidade padrão”.
Quando o cenário dá certo, o retorno tende a superar a renda fixa. Mas, se o mercado não colaborar, você passa anos com o dinheiro preso e sai zerado, literalmente.
E, como o COE tem prazos longos (geralmente de 2 a 5 anos) e liquidez zero, é um investimento que exige paciência… e desapego.
O risco (e o truque)
Os bancos adoram vender o COE como investimento “sem risco de perda”. Mas isso é verdade só se for de capital protegido e mesmo assim, há riscos embutidos.
Primeiro, o risco de crédito: quem garante o pagamento é o banco emissor. Se ele quebrar, você perde tudo, porque o COE não tem cobertura do FGC (Fundo Garantidor de Créditos).
Segundo, o risco de oportunidade: se você ficar cinco anos com o dinheiro parado e o COE render zero, perdeu a chance de investir em algo melhor nesse período.
Terceiro, a ilusão do “você não perde”: aqui nem chamaria de risco, é quase certeza. Para 99% dos investidores, a promessa de “capital protegido” vira sensação de segurança total, e muita gente entra sem entender a estrutura, as condições de gatilho e a falta de liquidez. Com isso toma decisão mal informada, expectativa desalinhada e frustração no vencimento.
Então o “protegido” = protege o valor nominal no vencimento (se o emissor honrar), não protege do custo de oportunidade nem da inflação.
Não é possível transferir seu COE
Se você mudar de banco, não dá para “levar o COE” como se troca apenas o custodiante em CDBs, Tesouro Direto ou fundos. Em geral, o COE fica onde foi emitido/custodiado até o vencimento. Sair antes costuma depender de mercado secundário escasso ou liquidação antecipada com deságio, quando existe.
O imposto de renda sobre COE
O COE é tributado como renda fixa, com alíquota regressiva:
-
22,5% até 180 dias,
-
20% até 360 dias,
-
17,5% até 720 dias,
-
15% acima de dois anos.
O IR é cobrado sobre o lucro total no resgate e já vem descontado na fonte. Mas lembre-se: se o COE render zero, não tem imposto, o que é o único consolo num investimento que não rendeu nada.
Então... vale a pena investir em COE?
Depende, mas minha preferência é outra. COE é aquele “pato”: anda, nada e voa — mas não faz nenhum dos três direito. Em vez de juntar tudo num produto 2 em 1 (como TCs, seguros resgatáveis e COEs), prefiro montar os tijolinhos separadamente:
-
R$8.000 num bom CDB (com FGC) para a parte segura, com liquidez/portabilidade quando fizer sentido;
-
R$2.000 na ação em que eu realmente acredito (ou até opções, se for investidor experiente).
Assim, aproveito garantias claras (FGC na renda fixa; BSM no mercado organizado), evito travas e mantenho controle de custos, prazos e risco. COE não é vilão, mas também não é herói: costuma limitar o ganho, travar a liquidez e mascarar o custo de oportunidade sob o rótulo de “capital protegido”. Se você quer simplicidade, rentabilidade previsível e liberdade de mover o dinheiro, os tijolinhos tendem a entregar melhor.
Voltando à minha amiga: ela não pegou o empréstimo (ufa!). Expliquei que nome complicado não é sinônimo de lucro fácil. E mais: há conflito de interesse nessa venda. Em muitos casos, assessores recebem comissões relevantes ao empurrar COE, faixas que podem chegar a 3%–8% para assessores (e 5%–10% para as plataformas) sobre o valor aplicado, o que ajuda a explicar o ímpeto comercial em cima desses produtos.
O COE é legítimo, mas cheio de nuances. Pode ajudar a diversificar, ou só te deixar com o dinheiro preso por anos. E, antes que pareça exagero, há casos recentes de clientes relatando devolução de apenas 6,88% do que investiram em COEs ligados a crédito corporativo, ou seja, quase 93% de perda do principal quando os gatilhos da estrutura foram acionados. Isso gerou uma onda de reclamações em plataformas de consumidores e cobertura na imprensa.
Se fosse tão bom e “sem perda”, o assessor é que faria dívida para comprar COE. Prefiro montar os tijolinhos separados, com garantias claras e portabilidade, e deixar o “pacotão” para quem realmente entende (e aceita) as regras do jogo.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.