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O irracional no perrengue chique: como fugimos dos juros

Mesmo em situações planejadas, como uma mudança para o exterior, nossos medos financeiros falam mais alto. Entenda por que evitamos juros, mesmo sendo baixos.

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Por Priscilla Wilkens

Recentemente me mudei de país. Não foi a primeira vez. Alguns anos atrás, fui morar nos Estados Unidos para estudar e passei perrengues de vida de estudante no exterior. Dessa vez, como estava me mudando para uma oportunidade profissional, ou seja, com um salário na moeda local, imaginei que seria tudo fácil. 

Não diminuo a importância de ter conseguido uma posição para trabalhar na Europa e de todo o privilégio que eu tenho, mas quero levantar alguns dos perrengues que eu tive. Sim. Perrengue. Chique, mas ainda assim, perrengue.

Uma escolha racional com um toque de emoção

Começo com algo que normalmente parece algo mais comum no linguajar de empresas, mas que foi pura realidade pessoal. Em minhas finanças pessoais, tive um choque de liquidez. Da mesma forma que uma empresa pequena acaba tendo que lidar com gastos antes de começar a vender e faturar, aqui passei pelo mesmo problema. 

Fizemos as malas e nos mudamos com data de ida e de volta. Dadas essas condições, eu e meu marido decidimos que o ideal seria matricular as crianças em uma escola internacional. Essa decisão foi possível porque a empresa subsidia 75% do valor cobrado por escolas particulares. Estávamos super felizes com a escolha até que veio o primeiro susto. Diferente do que estamos acostumados no Brasil, o padrão na escola escolhida é a do pagamento de anuidade (a tal da tuition), ao invés do pagamento de mensalidades, método que eu estava acostumada no Brasil. 

Pronto, instaurado o primeiro perrengue: de onde vou levantar tanto dinheiro europeu de uma hora para a outra? Mais especificamente, de onde eu tiro em torno de 50 mil euros (equivalentes então a mais ou menos uns 275 mil reais) em menos de um mês? Como faço com os investimentos que tenho de longo prazo e que não posso sacar? Vou sacar com prejuízo alguns dos investimentos que fiz de olho só lá no futuro? Tomada pelas circunstâncias e pela promessa de que meus primeiros salários em uma moeda compatível me ajudariam a quitar qualquer dívida que eu tomasse, saquei o que eu tinha disponível em curto prazo e para completar o restante, recorri ao melhor fundo existente na face da Terra. O tal do paitrocínio. Funcionou? Claro, taxa de juros desse banco é super atrativa: zero por cento. Os termos de pagamento também são ótimos: “pague quando puder”. Tá, reconheço que esse banco e essa linha de crédito não está disponível para boa parte das pessoas e que tenho sorte nessa vida. 

Mas pensando retroativamente, quero introduzir a irracionalidade que veio com essa decisão. 

Desconto ou juro? A diferença que o cérebro sente

O que eu não te contei é que eu não necessariamente teria que pagar a tuition de uma vez só. Eu poderia pagar em dez parcelas mas teria de pagar 2% a mais. Ou seja, 2% de juros ao ano para pagar parcelado, ao invés de pagar o valor cheio de uma vez. As mensalidades escolares no Brasil, ou pelo menos em São Paulo, também têm um mecanismo semelhante. Boa parte das escolas particulares dão desconto sobre a mensalidade para um pagamento antecipado da anuidade. Por exemplo, ao invés de pagar 13 mensalidades de R$3.000 (R$39.000), algumas dão a opção de pagar R$37.050 logo ao início do ano, ou seja, um desconto de 5%. E nunca, também na face dessa mesma Terra, eu havia considerado pedir dinheiro emprestado, mesmo que na base do paitrocínio, para pagar a anuidade com desconto em escolas particulares no Brasil. 

Existe lógica nesse comportamento? Pedir empréstimo para algo ao custo de 2% ao ano e não pedir para algo ao custo de aproximadamente 5% ao ano? Racionalmente? Claro que não. Como então explicar essa irracionalidade?

Trago aqui uma explicação para me defender desse comportamento. Elas não me tornam racionais, mas apego-me ao fato de que elas me tornam humana. Vamos lá.

A ciência por trás do medo de perder

A explicação que cientistas comportamentais dão, tanto os psicólogos quanto os economistas, é a de que classificar algo como ganho ou perda faz diferença. Instintivamente, a nossa tomada de decisão é enviesada e na média (como sociedade) somos muito mais avessos ao risco de perder. Alguns estudos e experimentos acadêmicos mostram que o medo de perder é na média 2,5 vezes o tamanho da vontade de ganhar. Bateu curiosidade? Quer saber como esse número mágico foi obtido? 

Efeito da doação: a caneca que vale mais só porque é sua

O mais famoso dos experimentos foi feito com alunos de uma universidade famosa americana. Esses alunos, com boa educação, foram separados em dois grupos ao chegarem na sala de aula. Um dos grupos recebeu uma caneca da universidade de presente. O outro grupo não recebeu nada. Feita essa distribuição aleatória, o grupo que ganhou a caneca anotou o preço pelo qual venderia a caneca que acabara de receber. Do outro lado, o grupo que ficou a ver navios anotou o preço pelo qual estaria disposto a comprar a caneca do colega que havia ganhado. O preço de venda de um grupo foi duas vezes e meio maior do que o preço de compra do outro grupo. Os cientistas explicam isso pelo que chamam de “efeito da doação” – ou seja, o simples fato de alguém possuir algo inflaciona a percepção de seu real valor, mesmo que não se tenha pago por isso. Isso explica uma ampliação do medo de abrir mão, ou de se perder algo que é de nossa posse. 

É claro que isso é apenas um experimento e há críticas que podem ser feitas ao seu desenho. Algumas variações mostraram que quanto mais “profissional” os negociadores – ou seja, quanto mais racional o processo se torna, mais esses valores de compra e venda convergem. 

A diferença nesses dois casos (dos negociantes amadores da caneca e dos negociantes profissionais) é a de que os estudantes anotaram de bate e pronto o valor pelos quais estavam dispostos a vender ou a comprar a caneca. Ou seja, totalmente no instinto, muito pouco baseado em um processo estruturado. Negociadores profissionais entendem o preço justo daquilo que estão negociando, então estão menos sujeitos às reações mais irracionais.

Tá, mas e aí, o que tudo isso tem a ver com o pagamento da escola das crianças? Duas palavras: desconto e juros. São associações que a gente às vezes faz. Desconto é ganho. Juros é perda. Por mais que o valor final fosse igual, o fato de pintar o quadro de que “você terá de pagar juros” dói muito mais do que o quadro de “pague antecipado e ganhe um desconto”. Irracional? Sim. Somos. Sou.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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