ED
Estado De Minas
DIREITO SIMPLES ASSIM
O Paradoxo da Tolerância: até onde aceitar quem nos quer destruir?
Você já parou para pensar se a liberdade irrestrita, aquela que não questiona discursos de ódio ou fake news, pode ser uma ameaça à própria democracia?
Mais lidas
05/02/2025 06:00
compartilhe
SIGA NOPor Vinicius Ayala*
Vivemos em um tempo em que opiniões extremistas ganham palco nas redes sociais, teorias da conspiração substituem fatos científicos e minorias são alvo de ataques coordenados. Diante disso, surge a pergunta: devemos tolerar quem usa a liberdade para propagar intolerância? O filósofo Karl Popper já tinha a resposta na ponta da língua – e ela é mais urgente do que nunca.
O Que Karl Popper ensina sobre tolerância (e seus limites)
Karl Popper, um dos pensadores mais influentes do século XX, cunhou o termo “paradoxo da tolerância” em sua obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945). A ideia é simples, porém perturbadora: se uma sociedade for ilimitadamente tolerante, corre o risco de ser destruída pelos intolerantes. Popper argumenta que, para preservar a democracia, é legítimo – e até necessário – restringir ativamente grupos ou discursos que pregam a exclusão, a violência ou a supressão de direitos fundamentais.
Em outras palavras, tolerar quem nega o direito à existência do outro é como entregar uma arma a quem promete atirar em você. A democracia, para Popper, não é um pacto de ingenuidade. Ela exige defesa ativa contra aqueles que desejam minar seus princípios básicos, como igualdade e pluralidade.
Liberdade Irrestrita: quando o “Direito de Opinar” vira arma de destruição
Aqui chegamos ao cerne do debate atual. Vivemos na era da “liberdade irrestrita”, onde redes sociais e algoritmos amplificam vozes extremistas sob o pretexto de “neutralidade”. A falta de checagem de fatos, o descaso com discursos de ódio e o abandono de agendas inclusivas criam um terreno fértil para a intolerância se disfarçar de “opinião”.
Popper alertaria: a liberdade sem responsabilidade é uma licença para o caos. Quando permitimos que mentiras sejam tratadas como verdades (exemplo: negação do Holocausto ou ataques à vacinação) ou que discursos violentos contra mulheres, LGBTQIA+, negros e indígenas sejam normalizados, estamos pavimentando o caminho para a erosão democrática. A “liberdade” dos intolerantes, nesse contexto, não é exercício de direito, mas um ataque à sociedade aberta.
Os intolerantes devem ser tolerados? A resposta de Popper (e a nossa realidade)
A pergunta que não quer calar: devemos dar liberdade irrestrita aos intolerantes, aceitando-os como um “custo da democracia”? Popper é categórico: não. Tolerar a intolerância é um suicídio ético. Se um grupo defende a exclusão de outros, nega direitos humanos ou incita violência, a sociedade não pode ficar passiva. A regra é clara: quem rejeita as regras do jogo democrático não pode se beneficiar delas.
- Retropesctiva 2024, um olhar para 2025
- Brasil: onde o óbvio não existe
- O caso do 'estudante de medicina' e a comoção às avessas
Isso não significa censura, mas defesa proporcional. Por exemplo:
• Plataformas digitais devem moderar discursos de ódio (não “opiniões políticas”).
• Leis devem punir incitação à violência e negação de direitos.
• A educação precisa combater a desinformação, ensinando pensamento crítico.
O risco de não agir é maior: o Brasil já viu teorias conspiratórias (ex.: ataques às urnas eletrônicas) e discursos de ódio (casos de racismo em estádios) que alimentam polarização e violência.
Tolerância não é passividade. É luta
Karl Popper nos lembra que a democracia não é um bem estático. Ela exige vigilância e coragem para dizer “não” a quem a quer destruir. A liberdade irrestrita, quando usada como escudo para a intolerância, não é virtude, mas cumplicidade.
A resposta ao paradoxo é clara: toleramos tudo, exceto quem não tolera. Não se trata de autoritarismo, mas de proteger o espaço onde todas as vozes – exceto as que buscam silenciar as outras – possam coexistir. Em um mundo onde fake news e ódio viralizam, seguir Popper não é opção. É sobrevivência.
Talvez tenhamos que atualizar um dito popular brasileiro que diz que “A liberdade termina quando começa a do outro” para a “ Liberdade termina quando começa a ameaça ao outro”
*Vinícius Ayala é advogado