Luiz Felipe Ribeiro Rodrigues
Luiz Felipe Ribeiro Rodrigues
Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da Empresa Tríplice Marcas e Patentes e do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia
DIREITO E INOVAÇÃO

Inventariante digital: solução ou mais conflitos?

Decisão do STJ joga luz sobre o tema da herança digital

Publicidade

Mais lidas

Em um dos primeiros textos desta coluna, abordamos a questão da transmissão por herança de bens digitais. Para ilustrá-la, citamos o caso da cantora Marilia Mendonça e as dificuldades que a morte repentina da artista traria para a sucessão e administração de seu patrimônio intangível. Quase 4 anos depois, o que se viu foi uma batalha judicial para o acesso a esses bens.

O tema, como dissemos à época, é um dos mais instigantes do direito sucessório. Na semana passada, uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) o colocou nas manchetes de sites jurídicos e de outros veículos. Para alguns, o acórdão é um precedente histórico, para outros ele trará mais dúvidas sobre a questão.

 

 

O caso envolve o inventário dos bens do ex-presidente da Vale, Roger Agnelli, e de sua esposa, Andrea Trench Agnelli, que morreram em um acidente aéreo em 2016. No processo, os herdeiros solicitaram acesso a informações contidas em 3 Tablets. Diante de respostas meramente técnicas da Apple, solicitaram que a empresa fosse intimada para informar, de forma mais clara, qual era o conteúdo dos dispositivos. O juiz do inventário negou o requerimento sugerindo que esse questionamento fosse realizado por meio de uma perícia em uma ação própria.

Os herdeiros recorreram ao STJ, buscando a reforma da decisão. A Ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma, acolheu o recurso e foi, além. Em seu voto, que não foi seguido apenas pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ela concluiu que os herdeiros têm o direito de acessar dados armazenados no computador do falecido, sem que tenham a senha ou a autorização deixada por ele. Mas, para que isso ocorra, o juiz do inventário deve nomear um inventariante digital, que terá a responsabilidade de classificar a natureza dos bens digitais encontrados, já que haverá ali acesso a dados da intimidade daquele que partiu (imagine, por exemplo, a revelação de uma relação amorosa que ele escondeu da família por anos). A partir das informações desse inventariante, o juiz deferirá a transferência aos herdeiros somente de bens digitais de caráter econômico.

A decisão é considerada inovadora porque nossa legislação não tem ainda uma regulamentação sobre a matéria e casos como este podem permanecer sem solução, ficando os herdeiros, em algumas situações, sujeitos às regras das plataformas digitais, ou privados do acesso a bens como criptomoedas, milhas aéreas e outros dados financeiros.

 

 

Por outro lado, a decisão não resolverá algumas questões e, ainda, poderá gerar outros inconvenientes.

No direito sucessório prevalece o clássico princípio da saisine, pelo qual todos os bens do falecido devem ser transmitidos aos herdeiros. É o que prevê nosso Código Civil. Esse foi o objeto da divergência apresentada pelo Ministro Cuevas. Para ele, a decisão da sua colega de Turma não teria respaldo legal.

De fato, não é difícil imaginar que em algumas situações haverá dificuldades para se enquadrar um bem digital como patrimonial ou existencial. Como classificar fotos, perfis em redes sociais, ou mensagens trocadas com terceiros? Há quem questione que um terceiro, inventariante digital, não vá conseguir realizar essa distinção. E, certamente, poderão surgir impugnações ao seu relatório, que trarão mais incidentes e litigiosidade ao processo.

Vale destacar que tramita no Congresso o PL 4/2025 elaborado para reformar o Código Civil. E ele trata do assunto.

Segundo o texto, os bens digitais de valor economicamente apreciável, fazem parte da herança do falecido. Há nele então uma enumeração destes bens: dados financeiros, perfis de redes sociais, contas, arquivos de conversas, vídeos e fotos e pontuação em programas de recompensa.

E há, também, a ressalva de que os herdeiros não terão acesso a direitos da personalidade que se projetam após a morte e não possuam conteúdo econômico, tais como a privacidade, a intimidade, a imagem, o nome, a honra, os dados pessoais, a não ser que haja expressa disposição de última vontade ou que um herdeiro consiga comprovar que tem interesse próprio ou econômico naquela informação.

Como se vê, a aplicação dessas normas, se aprovadas, dependerá, de todo jeito, de uma classificação desses bens pelos herdeiros ou por um terceiro. Assim, entre reservas e ressalvas, a criação de um inventariante digital é bem-vinda.


As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

Tópicos relacionados:

heranc stj

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay